Apocalipse nos Trópicos: a batalha espiritual pela alma do Brasil

Documentário de Petra Costa revela o uso da fé como arma política no Brasil. Um apocalipse simbólico, urgente e espiritual.
Apocalipse nos Trópicos: a batalha espiritual pela alma do Brasil
Foto: Netflix / Divulgação

O Brasil está em transe. Não um transe místico, mas um torpor profundo — onde política, fé e medo se embaralham como num culto que saiu dos trilhos. Apocalipse nos Trópicos, novo documentário de Petra Costa lançado pela Netflix em 14 de julho de 2025, não é sobre o fim. É sobre o que se revela quando todas as máscaras caem. É sobre o apocalipse como revelação — do projeto de poder que se esconde por trás da cruz, da espada e da bandeira.

Após o impacto de Democracia em Vertigem, Petra retorna ao cenário político brasileiro com uma obra mais sombria, simbólica e espiritualmente provocadora. O documentário percorre as últimas décadas da história nacional para mostrar como a fé cristã — em especial a vertente evangélica neopentecostal — foi mobilizada para construir um novo tipo de poder: emocional, absoluto, teocrático.

Por que o apocalipse virou linguagem de governo?

A palavra “apocalipse” vem do grego apokálypsis: desvelamento, revelação. No documentário, Petra divide a narrativa em capítulos que evocam os livros da Bíblia, como Gênesis, Êxodo e Revelações — uma estrutura que reforça a ideia de que estamos assistindo a um rito litúrgico invertido: uma missa do colapso, com símbolos trocados e dogmas travestidos de doutrina política.

A diretora investiga como a ideia do “fim dos tempos” foi apropriada por líderes religiosos e políticos para justificar a emergência de uma guerra santa no Brasil. O discurso é simples: há uma batalha espiritual em curso. E só um lado pode vencer.

Como a fé foi cooptada pelo poder?

Com base em arquivos, documentos e depoimentos inéditos, Apocalipse nos Trópicos mostra como o crescimento das igrejas evangélicas no Brasil não foi espontâneo. Missionários norte-americanos chegaram durante a Guerra Fria com a missão de “salvar almas” e impedir o avanço do comunismo. Durante a ditadura militar, essas igrejas foram fortalecidas — e, nos anos 2000, transformaram-se em impérios midiáticos, bancadas políticas e plataformas eleitorais.

A figura de Jair Bolsonaro emerge nesse contexto como um “messias” invertido. Um político que, mesmo não sendo evangélico praticante, tornou-se o símbolo da cruzada religiosa contra os inimigos imaginários: o globalismo, o comunismo, o aborto, os direitos humanos. Com apoio de líderes como Silas Malafaia, Bolsonaro construiu uma narrativa messiânica que transformou o Palácio do Planalto em púlpito e o Congresso em templo de guerra.

O que revelam as entrevistas com Lula e Malafaia?

Petra Costa tem acesso aos bastidores do poder e conduz entrevistas que se destacam pelo contraste. Com Lula, a abordagem é direta, às vezes desconcertante: “Por que Bolsonaro te passou no segmento evangélico?” ou “Você vai à igreja pedir votos?”. O presidente responde com lucidez e um certo cansaço — como quem reconhece que perdeu espaço em um território que desprezou por muito tempo.

Com Silas Malafaia, a relação é diferente. A diretora o acompanha em sua casa, em seu escritório, em jatinhos e viagens, sempre em tom respeitoso, sem confrontos. Ela escuta, observa, permite que ele fale — e é justamente esse espaço que o revela. Não se trata de um aval. Mas de um retrato. Malafaia emerge como o estrategista da nova fé política brasileira: carismático, calculista, profundamente convencido de sua missão.

Estamos vivendo uma teocracia tropical?

Essa é a pergunta que ecoa ao longo do documentário. Petra não responde. Mas insinua — com imagens, sons, símbolos e silêncios. A sequência da invasão aos prédios da Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, é ilustrativa: bandeiras cristãs, louvores, a confusão entre fé, pátria e vingança. O sagrado transformado em slogan.

O documentário não acusa os fiéis. Mas alerta para os riscos de quando líderes usam a fé popular como ferramenta de manipulação e dominação. A democracia, nesse cenário, deixa de ser pacto civilizatório e passa a ser vista como obstáculo à vontade divina — ou pior: à vontade de quem se julga Deus.

Onde está o povo nessa narrativa?

Se há uma ausência, é esta. O povo aparece pouco. Petra escuta os estrategistas, os nomes públicos, os poderosos — mas não dá voz ao fiel comum. A mulher que canta no coral. O jovem que encontrou na fé uma saída. O pastor de bairro que não é celebridade. Esses personagens silenciosos — mas centrais — ficam fora do campo. Ainda assim, sua presença é sentida nas entrelinhas.

O desafio que permanece é este: compreender não só a estrutura de poder, mas o afeto que a sustenta. Por que tantos se identificam com esse discurso? O que estão buscando? O que estão temendo?

O que o Brasil está revelando ao mundo?

O apocalipse não é só tropical. O Brasil apenas antecipa uma crise global: a substituição da política pelo dogma, do debate pelo culto, da democracia pelo moralismo armado. É por isso que Apocalipse nos Trópicos não interessa apenas ao Brasil — mas a qualquer sociedade em que o sagrado tenha sido capturado pela ambição.

Apocalipse como revelação — e como escolha

Apocalipse nos Trópicos é um documentário necessário, simbólico e inquietante. Ele não aponta caminhos prontos, nem oferece respostas redentoras. Mas abre uma ferida que precisa ser vista. E nos obriga a encarar, com coragem, a pergunta que atravessa tudo: vamos continuar entregando nossas esperanças a falsos profetas e cruzadas de ódio? Ou vamos resgatar o verdadeiro sentido do sagrado — aquele que acolhe, liberta e une?

O apocalipse não é o fim. É o momento da verdade. E cabe a nós, como povo e como alma coletiva, decidir o que faremos com o que foi revelado.

Perguntas Frequentes (FAQ) sobre Apocalipse nos Trópicos

O que é o documentário Apocalipse nos Trópicos?

É o novo documentário de Petra Costa, lançado na Netflix em julho de 2025, que investiga como a fé cristã se tornou base ideológica do poder político no Brasil.

O documentário entrevista Jair Bolsonaro?

Não. Bolsonaro aparece apenas em imagens de arquivo. As entrevistas centrais são com Lula e Silas Malafaia.

O filme é imparcial?

Não. Petra assume um ponto de vista crítico e reflexivo, mas opta por ouvir os personagens centrais com respeito e sem confronto direto.

Os evangélicos comuns aparecem no documentário?

Não diretamente. O foco está nos líderes e nos bastidores do poder. A ausência de vozes populares é uma lacuna perceptível, mas não compromete o impacto da obra.

Vale a pena assistir?

Sim. É um documentário forte, poético e revelador — essencial para compreender os conflitos espirituais, morais e políticos que moldam o Brasil contemporâneo.

Redação Sideral

Os artigos publicados em nome de Era Sideral são de responsabilidade dos responsáveis por este site. Entre em contato caso tenha alguma observação em relação às informações aqui contidas.

VER PERFIL

Aviso de conteúdo

É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita. O site não se responsabiliza pelas opiniões dos autores deste coletivo.

Deixe um comentário

Veja Também