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Não-lugares: uma multidão de desconhecidos
No mundo contemporâneo onde coabitamos, é corriqueiro nos sentirmos “isolados” mesmo quando estamos cercados de centenas de pessoas. Essa sensação torna-se latente enquanto aguardamos atendimento numa fila, quando transitamos no centro movimentado de uma cidade, ao ingressarmos no transporte coletivo e em tantas outras situações que fazem parte do nosso cotidiano.
Nesses momentos, enquanto estamos cercados de rostos desconhecidos, nos integramos como uma pequena gota num oceano de sujeitos. Não sabemos sobre a história de vida dessas pessoas, suas vivências e suas angústias. Da mesma forma que somos apenas vultos para aqueles indivíduos que aceleram o passo na sua rotina agitada.
Temos algo em comum com esses sujeitos. Somos todos transeuntes dos “não-lugares”. Essa categoria contempla espaços da nossa “supermodernidade” onde somos instigados a interagir apenas com textos: “pegar a fila da esquerda”; “proibido fumar”; “você está entrando em Teresina”. A interlocução com outros sujeitos parece desnecessária, um desperdício de tempo.
O sociólogo Marc Augé aponta um exemplo dessa invasão do espaço pelo texto nos supermercados:
O cliente circula silenciosamente, consulta etiquetas, pesa legumes ou frutas numa máquina que lhe indica, com o peso, o preço, e depois estende o cartão de crédito a uma jovem também silenciosa, ou pouco loquaz, que submete cada artigo ao registro de uma máquina decodificadora antes de verificar o bom funcionamento do cartão. Diálogo mais direto, porém, ainda silencioso: o que cada titular de um cartão de banco mantém com a máquina distribuidora na qual ele o insere, geralmente estimulantes, mas que por vezes constituem verdadeiras invocações à ordem: “cartão mal introduzido”; “retire seu cartão”; “leia atentamente às instruções”.
Conforme o sociólogo, esse cenário fabrica o “homem médio”, sempre em relação contratual com o espaço, onde ele conquista seu anonimato após comprovar sua identidade para ingressar no local, que se reveste como um “não-lugar”.
Nesse cenário, a sensação de “estar em casa” é sempre fugidia. Ela pertence mais ao vínculo que você estabelece com determinadas pessoas do que ao espaço onde você se situa. Uma noção que pode ser definida como o “país retórico”.
O indivíduo sente-se em casa quando fica à vontade na retórica das pessoas com as quais compartilha a vida. O sujeito consegue se fazer e também adentrar na razão dos seus interlocutores, sem desprender grandes esforços. A comunicação ocorre com fluência e sem perturbações.
Essa combinação aponta que, independente da sua posição geográfica, é sempre possível “estar em casa” e fora dela. Parte crescente da humanidade vive, pelo menos em tempo parcial, fora de território, por suas obrigações cotidianas.
Para Marc Augé, essa condição implica numa sociedade onde as pessoas perguntam, cada vez mais, para onde estão indo, porque sabem, cada vez menos, onde estão.
FAQ sobre não-lugares
O que são “não-lugares” segundo Marc Augé?
São espaços da supermodernidade onde predomina a interação com textos e o anonimato.
Como os “não-lugares” impactam a sensação de pertencimento?
Geram uma sensação de isolamento mesmo em meio a multidões, dificultando vínculos pessoais.
Qual exemplo de “não-lugar” é citado no texto?
Supermercados, onde o cliente interage mais com textos e máquinas do que com pessoas.
O que é o “país retórico” mencionado por Marc Augé?
É o ambiente de familiaridade que se constrói pela comunicação fluída entre as pessoas.
Por que a sensação de “estar em casa” é fugidia na sociedade contemporânea?
Porque depende mais das relações humanas do que do espaço físico onde se está.
Carlos Mota
Professor de História. Doutorando em História do Brasil. Pesquisador no campo da Imprensa, Memória, Política e Cultura. Amante do futebol, chuteiras pretas, cuscuz de arroz e um outro tanto de coisas.
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