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A farsa máxima: quem diz combater o sistema é quem mais se alimenta dele

Durante anos, parte da classe política brasileira construiu sua imagem em cima de um bordão de efeito: “a luta contra o sistema”. Esse grito ecoou nas ruas, em palanques e transmissões ao vivo, conquistando milhões de eleitores que acreditaram estar diante de guerreiros dispostos a desafiar tudo em nome da pátria.
Mas a realidade é outra. Esses políticos que se apresentam como combatentes do sistema são, na prática, os que mais se alimentam dele. Vivem dos altos salários pagos pelo povo, acumulam privilégios inacessíveis à maioria e ainda trabalham para aprovar leis que ampliam sua blindagem. É a farsa máxima da política contemporânea: posar de inimigos do sistema enquanto se beneficiam de cada engrenagem dele.
O contracheque da hipocrisia
Não existe parlamentar que não seja sustentado pelo próprio sistema que diz combater. Todos são funcionários públicos com salários altíssimos, muito acima da média nacional, pagos religiosamente pelo povo. Além disso, recebem auxílios, verbas de gabinete, aposentadorias especiais e uma infinidade de regalias.
A cada mês, o contracheque gordo desmente o discurso inflamado. O inimigo do sistema não renuncia ao salário, não abre mão das benesses, não rejeita os privilégios. Pelo contrário: desfruta de cada um deles enquanto aponta o dedo contra o “sistema” que o alimenta.
A blindagem como objetivo final
A contradição fica ainda mais evidente quando analisamos medidas como a PEC da Blindagem. Enquanto prometiam enfrentar privilégios e combater a corrupção, os mesmos parlamentares aprovaram uma proposta que os torna praticamente intocáveis perante a Justiça.
Ou seja: o discurso de combate ao sistema não tinha como alvo a corrupção ou os abusos do poder. O alvo era a Justiça — a única força capaz de alcançá-los. O que chamam de “luta contra o sistema” é, na verdade, a luta pela sua própria impunidade.
O falso inimigo e a manipulação de símbolos
Esse é o jogo retórico: criar um inimigo difuso — “o sistema” — e convencer o povo de que estão do lado certo da batalha. Para dar corpo a essa narrativa, recorrem a símbolos emocionais e casos específicos, como o da “Débora do Batom”, apresentado como prova de que o sistema oprime cidadãos comuns.
Mas, enquanto manipulam a indignação popular, aprovam leis que criam blindagens para si mesmos. A blindagem não protege Déboras, nem Joões ou Marias. Protege apenas quem legisla dentro do plenário. O povo, enganado, legitima sua própria exclusão acreditando que luta contra um inimigo comum.
Bolsonaro e a retórica do sistema
O exemplo de Jair Bolsonaro é emblemático. Durante décadas como deputado e depois como presidente, apresentou-se como inimigo do sistema. No entanto, ele e sua família sempre estiveram dentro dele, ocupando cargos, recebendo salários e acumulando poder político.
Mesmo em seus momentos mais extremos — como quando foi acusado de tentar articular um golpe de Estado — o discurso usado era o mesmo: a luta contra o sistema. Mas que sistema era esse? Eram justamente as instituições democráticas que limitam abusos de poder. A retórica, portanto, serviu de máscara para projetos de autopreservação e perpetuação.
A farsa que se multiplica em família
Outro aspecto que escancara a hipocrisia é a forma como muitos desses políticos, enquanto gritam contra o sistema, colocam seus familiares dentro dele. Filhos, irmãos, esposas e aliados íntimos são lançados como candidatos e acabam formando verdadeiras dinastias eleitorais.
O caso da família Bolsonaro é um dos mais conhecidos: enquanto Jair discursava contra a velha política, seus filhos ocupavam cadeiras em diferentes instâncias de poder, financiadas pelo mesmo sistema que o patriarca dizia combater. Isso mostra que o discurso contra o sistema não é apenas contraditório, mas também um instrumento para multiplicar poder dentro de clãs familiares, perpetuando privilégios por gerações. Assim, o que se vende como luta contra o sistema é, na prática, a velha política familiarizada e blindada, elevada à potência máxima.
O paradoxo da farsa
O paradoxo é cruel:
- O político que grita contra o sistema recebe do sistema um dos maiores salários do país.
- O político que denuncia privilégios vive cercado por regalias que jamais abriria mão de desfrutar.
- O político que promete justiça é o primeiro a lutar para escapar dela.
- O político que se apresenta como renovação perpetua sua família no poder.
É a farsa máxima: o guerreiro contra o sistema é, na prática, o maior beneficiário dele.
O impacto simbólico
Do ponto de vista simbólico e espiritual, essa farsa cria uma mensagem devastadora para o inconsciente coletivo: a de que a política não é serviço, mas sim autopreservação. O povo é levado a acreditar em heróis que, na verdade, defendem apenas a si mesmos. Esse tipo de manipulação corrói valores fundamentais como lealdade, verdade e responsabilidade. Substitui a ética pela conveniência, a justiça pelo privilégio, e transforma o princípio republicano de igualdade em piada.
Consequências sociais
Quando a população percebe que foi enganada, os efeitos são inevitáveis:
- Descrença nas instituições – cresce a sensação de que a política é apenas um teatro de autoproteção.
- Radicalização da sociedade – o povo, ferido pela farsa, se torna terreno fértil para discursos extremistas.
- Erosão da democracia – quando representantes vivem acima do povo, o pacto republicano se rompe.
A PEC da Blindagem e o discurso da “luta contra o sistema” revelam uma das maiores farsas da política brasileira contemporânea. Aqueles que mais gritam contra o sistema são os que mais dele dependem. Vivem dos recursos públicos, blindam-se contra a Justiça e ainda perpetuam seus clãs familiares dentro da política. No fim, resta a verdade nua e crua: o político que diz combater o sistema é, na prática, o maior beneficiário dele.
FAQ: a farsa máxima e o discurso contra o sistema
O que significa “a farsa máxima” nesse contexto?
É a contradição entre o discurso de combate ao sistema e a realidade de políticos que vivem e se fortalecem dentro dele.
Como os políticos se beneficiam do sistema que dizem combater?
Com altos salários, verbas, auxílios e privilégios pagos pelo povo, além de blindagens jurídicas como a PEC da Blindagem.
O que a PEC da Blindagem tem a ver com essa farsa?
Ela mostra que a luta contra o sistema é, na verdade, uma luta para escapar da Justiça e se tornar intocável.
Por que casos como o da Débora do Batom são usados nesse discurso?
Porque funcionam como símbolos emocionais de perseguição, manipulados para reforçar a narrativa de luta contra um inimigo difuso.
Como entra a questão familiar nesse contexto?
Muitos políticos perpetuam seus clãs no poder, como no caso da família Bolsonaro, usando o mesmo sistema que dizem combater.
Qual o impacto para a democracia?
A descrença popular, o fortalecimento do extremismo e a transformação da política em um clube fechado de privilégios.
Redação Sideral
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