Água que passarinho não bebe: uma crônica sobre Santos

"Reviva a visita de Dom Pedro II a Santos em 1846, com histórias fascinantes e a origem da expressão 'água que passarinho não bebe'."
Água que passarinho não bebe: uma crônica da minha cidade
Foto: Prefeitura de Santos

Entre tantas histórias fascinantes — um misto de fatos históricos, lendas e simbolismos culturais da minha querida Santos — que meu avô Ernesto contava, uma delas sempre me intrigou: a história da “Água que passarinho não bebe”. Convido-os a embarcar nos vagões do Trem do Túnel do Tempo para um passeio histórico, descendo na Estação do Valongo nos anos de 1846, exatamente no dia 18 de fevereiro, às 9h30 da manhã:

Chegamos à cidade de Santos nesta linda manhã de sexta-feira, 18 de fevereiro de 1846. Vamos caminhar pela Rua Santo Antônio, atualmente conhecida como Rua do Comércio, e depois entraremos na Rua Direita, hoje chamada Rua XV de Novembro.

Nesta Rua Direita, mora a família de José Bonifácio de Andrada e Silva, o “Patrono da Independência”. Em seguida, seguimos pela Travessa do Parto, atualmente Rua Dom Pedro II, até o Campo-Largo da Misericórdia, hoje Praça Mauá.

Hoje, dia 18 de fevereiro de 1846, Santos receberá uma visita ilustre. Por volta das 12h30, o vapor Imperatriz, comandado pelo capitão-de-fragata Joaquim Ignácio, trará a bordo os imperadores Dom Pedro II e sua esposa, Dona Teresa Cristina, além de outras autoridades.

O presidente da Câmara, Capitão Antônio Martins dos Santos, recebeu ordens do governador da província, Marechal Manuel da Fonseca Lima e Silva, futuro Barão de Saruí, para organizar uma recepção pomposa para os augustos soberanos.

A vinda do Imperador Dom Pedro II e sua esposa a Santos se dá para a inauguração do Chafariz da Coroação, no Campo-Praça da Misericórdia, atual Praça Mauá, construído por subscrição pública e com um donativo especial da Marquesa de Santos.

Na tarde do dia 18 de fevereiro, Dom Pedro II e Dona Teresa Cristina desembarcaram em Santos sob grande ovação popular. O Capitão Antônio Martins dos Santos havia preparado uma recepção pomposa aos soberanos.

O vapor Imperatriz atracou no cais da Alfândega, junto à ponte de desembarque, onde bandas militares, autoridades e forças armadas, com uniformes de gala, aguardavam.

Ao descer do navio, as bandas começaram a tocar o Hino Nacional, enquanto canhões disparavam salvas pelos fortes de Vera Cruz do Itapema e de Nossa Senhora do Monte Serrate.

Em seguida, os sinos das igrejas da Matriz repicaram, acompanhando as bandas militares. Dom Pedro II, sua esposa e os acompanhantes dirigiram-se à Igreja Matriz, onde foi celebrada uma missa em ação de graças.

Após a missa, os imperadores seguiram em caravana até a residência do comendador Ferreira da Silva e de seu filho, o futuro Barão e Visconde de Embaré, onde seriam hospedados. A cerimônia de inauguração do Chafariz estava marcada para as 17h, dando tempo para a família imperial almoçar e descansar antes da festividade.

Às 17h em ponto, com o sol começando a se esconder atrás das nuvens, Dom Pedro II, sua comitiva, autoridades, comerciantes, aristocratas e o povo deram início à cerimônia oficial, com o discurso do Capitão Antônio Martins dos Santos.

Em seguida, Dom Pedro agradeceu e cortou a fita, oficializando a entrega do Chafariz da Coroação à cidade de Santos.

Logo após, Dom Pedro recebeu uma caneca de ouro para tomar o primeiro gole do Chafariz da Coroação e, para surpresa de todos, ao colocar a caneca para receber o primeiro jato de água, a caneca se encheu de vinho do Porto.

Essa surpresa foi preparada pelo lusitano monarquista residente em Santos, Silva Braga, como uma delicada homenagem de um cidadão português aos visitantes.

Foi assim que nasceu a expressão “água que passarinho não bebe”.

Reza a história que Dom Pedro II teve ainda outra surpresa: um garoto se aproximou e recitou, em voz alta, uma famosa quadra popular:

Atirei um limão n’água,

De tão maduro foi ao fundo.

Todos os peixes gritaram:

– Viva Dom Pedro Segundo!

À noite, os anfitriões de Dom Pedro II e sua esposa ofereceram uma festa em sua homenagem. Autoridades, militares, comerciantes e a elite da sociedade santista foram convidados para jantar, ouvir música e dançar.

Os salões estavam lindamente decorados com flores, fitas e pratarias. Uma orquestra tocava enquanto os convidados conversavam e jantavam.

Entre os convidados, estava o jovem luso-espanhol-inglês Rubem Azevedo Russell Del Maria, poeta, repentista e trovador, conhecido por suas poesias e trovas que levavam as mulheres a suspirarem de amor e saudade. Entre uma dança e outra, Rubem aproximou-se do Imperador e o desafiou para um combate de trovas. Dom Pedro II, aclamado por suas poesias e escritos, aceitou o desafio.

Rubem deu início:

No Chafariz, águas coroadas,

Frescor em Santos, um renovo,

Vossa Majestade é louvada,

Em cada canto, em cada povo.

Dom Pedro II respondeu:

Santos nos recebe em festa,

Com carinho e devoção,

Água pura que nos presta,

Do Chafariz da Coroação.

Rubem continuou:

Chafariz que em Santos brilha,

Água que passarinho não bebe,

Com vinho do Porto maravilha,

A surpresa que a todos enleve.

Dom Pedro II replicou:

Vinho que no chafariz dança,

De Santos é o brinde perfeito,

Em cada gota, a esperança,

De um reinado justo e repleto.

Rubem encerrou:

Dom Pedro, o que achas, meu senhor,

Dessa fonte de pura magia?

De vinho fez-se o esplendor,

Na cidade de tanta alegria.

Dom Pedro II concluiu:

Rubem, Santos nos encanta,

Com festa, vinho e celebração,

A todos aqui se agiganta,

O coração com gratidão.

Os dois se abraçaram e foram aplaudidos por todos os presentes de pé.

E assim, retornamos à Estação do Valongo, tomamos o Trem do Túnel do Tempo e voltamos ao ano de 2012, trazendo conosco uma recordação fascinante dos tempos de outrora.

Santos, uma das minhas paixões… Nunca vou te deixar!

Rubens Muniz Junior

Rubens de Azevedo Muniz Junior, economista, administrador de empresa, trader aposentado, 82 anos de idade, nascido em Pirajuí, é poeta, cronista, contista, romancista e amante de boa leitura. Viajou e residiu, a trabalho, fora do Brasil.

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2 comentários para “Água que passarinho não bebe: uma crônica sobre Santos

  1. Rubens Muniz Junior disse:

    Muito bom!

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