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A arte de envelhecer: uma crônica poética em homenagem aos imortais do pensamento

Dizem que envelhecer é um naufrágio. François de La Rochefoucauld não poupou metáforas. Mas talvez o tempo seja, antes, uma metamorfose lenta, em que a juventude se despede sem mágoa, e nasce o silêncio que compreende.
Arthur Schopenhauer nos preveniu: “A velhice é a recompensa por termos sobrevivido.” E que dura recompensa, meu amigo, quando o corpo fraqueja, mas a memória insiste em acender lampiões no escuro.
Gabriel García Márquez — esse cronista da eternidade — disse que o envelhecimento não se mede pelos anos, mas pela perda de curiosidade. Pois bem, continuo curioso. Ainda me espanto com as manhãs, com os pássaros que ousam cantar num mundo surdo, e com as rugas que desenham meu rosto como um mapa de histórias.
Montaigne ensinou que “envelhecer é um retorno à infância.” E não é que ele tinha razão? Reaprendi a chorar, a sorrir com o vento, a comer devagar e a falar com Deus sem pressa.
Shakespeare, que conhecia as almas como ninguém, pôs na boca de seus reis e bufões a certeza de que “a velhice é a última infância.” E Nietzsche, com sua rebeldia de aço, murmurava que “a maturidade do homem consiste em reencontrar a seriedade que tinha ao brincar quando era criança.”
Émile Faguet observou que os velhos não são céticos — são indulgentes. Não porque perderam a fé, mas porque aprenderam que o mundo gira com ou sem nossa aprovação.
Picasso, pincel em punho, viveu até quase os 92 e disse que “leva-se muito tempo para ser jovem.” Que ironia bela! Quem dera a juventude soubesse o valor de um chá em silêncio, de uma carta manuscrita, de um amor que dura sem urgência.
Cícero, no berço da civilização, via a velhice como a estação da colheita. E é verdade. Colhemos tudo: as flores que plantamos, os espinhos que esquecemos, e os frutos que amadureceram quando já não tínhamos mais fome.
Um provérbio hindu sussurra: “A velhice começa quando os lamentos substituem os sonhos.” Mas, enquanto houver um sonho — um que seja —, a velhice será apenas o repouso do corpo, e não o adormecer da alma.
André Maurois falava com doçura: “A velhice é uma tirania que nos impõe a sabedoria.” Mas eu digo: ela é também um abraço do destino, um último beijo da vida, e um convite para escrever com letras trêmulas o livro que sempre evitamos escrever: o da verdade interior.
Nietzsche sorri em meu ouvido: “Torna-te quem tu és.” E agora que sou velho, sei que sempre fui aquele menino assustado, o poeta apaixonado, o homem que ama e sofre e canta. A velhice não me tirou nada. Ela apenas revelou.
Pois vivi o bastante, e aprendi ainda mais. Sem o tempo, eu seria apenas um ímpeto — um imberbe com medo do espelho, do outro, e de mim.
Mas hoje, envelhecido e inteiro, sei que o tempo não me levou — ele me revelou.
Rubens Muniz Junior
Rubens de Azevedo Muniz Junior, economista, administrador de empresa, trader aposentado, 82 anos de idade, nascido em Pirajuí, é poeta, cronista, contista, romancista e amante de boa leitura. Viajou e residiu, a trabalho, fora do Brasil.
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