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Você sabe o que é preceito após um banho?
Por esses dias uma amiga veio me perguntar para que serve um banho de ervas, que lhe foi passado por uma entidade em um terreiro de Umbanda e o que seria preceito, que estava como regra após o ato do ritual. Será que as pessoas sabem para que serve os banhos nas religiões e o que seria o preceito nesse caso?
Segundo o dicionário Oxford Languages, preceito é um substantivo masculino e tem como definição:
- o que se recomenda praticar; regra, norma
- o que se ensina; lição.
O preceito nos banhos das religiões de matriz africana é um modo de preservar o encantamento ou mesmo para manter o banhado longe de energias que atrapalharão o sucesso pedido e esperado após esse rito. Não se resume só à isso, mas de forma geral, para quem é leigo no assunto, já deixa uma luz.
O Candomblé, por exemplo, tem preceitos que envolvem diversas maneiras e ações. Você não pode dar uma faca diretamente na mão do irmão que está com você na função. É preciso deixa-la na mesa para que ele pegue. Também não se entra no terreiro sem jogar água na rua. O omi tutu, que é um jarro que fica no portão da casa com água e uma quartinha para que você molhe o chão que você acabou de passar.
Outra regra ensinada é que você, iniciante ou que ainda não completou seus 7 anos de iniciado, não se senta na mesma altura que o pai ou mãe da casa (Babalorixá / Yalorixá). Esse preceito é muito bem guardado nas casas de santo. É preciso manter o rumbê, o respeito pela hierarquia.
Um dos preceitos que eu mais me impressionei quando fui parar no Candomblé é que a mulher sempre vai ser a primeira. Explico: Quando dois filhos da casa, um homem e uma mulher, tem o mesmo tempo de santo, independente da idade de cada um, a mulher sempre irá na frente no Xirê (roda ou dança para evocação dos Orixás). Mesmo que eu tenha 40 anos de vida e uma irmã que tenha 16, se tivermos o mesmo tempo de renascimento no Orixá, ela vai na minha frente. E em um mundo onde o machismo estrutural ainda persiste, ver as casas ancestrais manterem essa tradição é de encher de orgulho quem se destina a se libertar das amarras machistas.
No catolicismo, em mais um exemplo, se guarda a Quaresma. Normalmente não se come carne na quarta-feira de Cinzas e nem na sexta-feira Santa em preparação para a Páscoa. Aliás, a igreja orientava que não se mantivesse o jejum durante o dia, mas foi mudando com o passar dos anos. Em algumas igrejas protestantes não se assiste televisão, em uma comparação bem rasa, mas que dá o entender da coisa.
Mas como os banhos são tratados por outras matrizes? O que podemos aprender com elas?
Puro e Impuro
Desde os primórdios a água é significado de vida. Sem ela é impossível sobreviver. Desta forma seria inevitável que as crenças e religiões tivessem rituais que envolvam água. No caso aqui apresentado, o banho.
Se não levarmos em consideração nenhuma parte dogmática e religiosa, o banho é a limpeza da pele, do corpo. Restaura forças, traz um frescor e tira a sujeira acumulada durante um dia. Isso se você não for um desses atores que vive aparecendo em manchetes de que ficam dias sem se banhar.
A fé, que em muitos casos tem a mesma essência vital que a água, gerou tradições de banhos por todo o mundo. Diversas matrizes religiosas observam em seus preceitos regras para se banhar.
Judaísmo
Pessoas em processo de conversão ao judaísmo precisam mergulhar em um mikveh. Na maioria das comunidades judaicas você encontra um mikveh, que seria uma cisterna, ou até mesmo uma piscina que possa receber uma ou mais pessoas para serem mergulhadas.
Noivas em preparação ao casamento também são mergulhadas no mikveh, sempre respeitando o período menstrual. Até mesmo pessoas que passam por luto, por mudanças radicais como um divórcio ou entrar numa faculdade. A intenção do mergulho nas águas é limpar o passado e se preparar para o futuro.
Islamismo
Ghusl, banho de purificação do islamismo, consiste em fazer com que a água flua por todo o corpo, inclusive pelos cabelos, essa é a melhor maneira de se limpar completamente o corpo, purificando-o de todas as impurezas e reavivando-o com um banho saudável e agradável.
O banho é recomendado quando for fazer a oração de Sexta-feira, antes das orações do Ide e antes de entrar em estado de ihram no Hajj (peregrinação) e na Umra (visitação). Também é orientado após relações sexuais e a conversão.
Xamanismo
O banho com ervas existem em diversos campos de atuação energéticos. Elevam a energia do banhado para alcançar pretensões tanto física quanto espiritual. Servem de limpeza, revitalização e imantação (escudo protetor).
No Xamanismo, de maneira idêntica com a Umbanda, pede-se que antes do banho você magnetize as plantas, isso pode ser feito fazendo uma oração, uma prece de sua preferência fazendo seus pedidos para aquele banho, sendo específico. Diferente da Umbanda, o Xamanismo não tem dia específico para o banho, sendo possível tomar a qualquer dia ou hora.
Candomblé
O filho(a) de santo quando chega no terreiro, antes de ir pedir a benção dos mais velhos, ou até mesmo de bater cabeça no opo (pilastra ou assentamento no centro do barracão), ele precisa deixar o sangue do corpo esfriar e ir tomar seu banho de amaci. Ritual onde toma seu banho normal para tirar o suor e sujeira do corpo, se ajoelha e recebe o banho em sua cabeça por um filho(a) mais velho de santo.
O banho que serve como um despertar para o médium, uma maneira de se ligar ao Orixá, sendo uma imantação e uma elevação espiritual.
Pode ser preparado por diversas ervas, mas a mais comum é que seja preparada com boldo, também conhecida como manto de Oxalá.
Umbanda
Conforme citado à pouco, a Umbanda tem nos banhos o mesmo campo magnético que no Xamanismo. Entretanto, na religião que nasceu no Rio de Janeiro com o médium Zélio de Moraes em 1908, os banhos com ervas tem dias para serem tomados, seguindo a regência do santo ou entidade, até mesmo em algumas casas a regência do Orixá, já que nos terreiros de Umbanda, existe a influência dos Orixás africanos, mas que não são incorporados.
Os banhos tem seu preparo seguindo preceitos, como a fervura da folha, o corte e, tal qual, o modo de se banhar, se pode jogar pela cabeça ou só abaixo do pescoço. Pede-se que se acenda uma vela, as vezes com uma cor específica da entidade que passou o banho ou se fez o pedido.
Budismo
O Festival do Banho de Buda (no oitavo dia do quarto mês lunar), também chamado de Aniversário de Buda, é um evento importante para o budista para comemorar o aniversário de Buda Siddhartha Gautama.
Diz-se que em mais de 2600 anos atrás, Siddhartha Gautama nasceu, com uma mão apontada para o céu e a outra apontada para a terra, e disse: “no céu e na terra, eu sou o rei.” Isso fez a terra tremer, e nove dragões cuspiram água para lavar seu corpo. Por isso, budistas de diferentes etnias normalmente celebram o aniversário de Buda com a forma de lavar a estátua de Buda.
Mais uma vez encontramos o banho como forma de purificação. Onde o banhar-se ou banhar algo ou alguém, serve como livramento de energias negativas, sujeiras espirituais.
O banho em forma de preceito
Então, por fim, quando você receber como orientação guardar o preceito após um banho, é importante que se siga. São regras até fáceis se você não é justamente um membro da religião, conforme o primeiro exemplo citado. Normalmente será pedido para que não fume, não beba ou que não tenha relações sexuais. Muitas vezes é só de 1 dia ou no máximo 7, dá para suportar. O sacrifício de algo, quando se envolve fé, é um ato de entrega. É o ideal? Não, sei dizer, mas se para alcançar aquele emprego que se deseja, abrir os caminhos para chegada de novas oportunidades, ou até mesmo para se manter numa energia melhor, é um esforço que deve valer a pena.
Ton Rodrigues
Estudante de jornalismo, pai de 3 crianças e pintor amador nas horas vagas. Leitor voraz e apaixonado pela música, mas nunca correspondido. Nascido em terreiro de Umbanda, estudioso do Candomblé.
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2 comentários para “Você sabe o que é preceito após um banho?”
Que legal, nunca tinha parado pra pensar que o banho também está presente em tantas outras religiões .