Artigos
Gamela: utensílio ancestral com história e presença em rituais afro-brasileiros
A gamela, um utensílio doméstico esculpido em madeira, carrega uma rica história que se entrelaça com a cultura indígena, o período da escravidão no Brasil e as religiões de matriz africana. Presente em diversas comunidades, ela transcende sua função prática, assumindo um papel simbólico e sagrado.
Origens e história
A origem da gamela remonta ao século XVIII, aproximadamente em 1870, quando pessoas escravizadas utilizavam madeira das fazendas para confeccionar utensílios domésticos. A madeira da gameleira, por ser macia e fácil de trabalhar, era frequentemente escolhida para a produção das gamelas, que podiam ter formatos redondos ou ovais.
O termo “gamela” também está associado a povos indígenas. Os portugueses usavam essa denominação para se referir a grupos indígenas que utilizavam adornos labiais semelhantes a pequenas gamelas. Estudos indicam que os Gamela, um povo indígena que habitava a região do Parnaíba, no Piauí, e migrou para o Maranhão, faziam uso desses adereços como parte de sua cultura.
Fabricação artesanal
A produção da gamela é um trabalho artesanal que demanda habilidade e conhecimento específico sobre madeiras. O processo começa com a escolha de uma madeira resistente e de qualidade. Em seguida, o artesão utiliza ferramentas como enxós, formões e plainas para esculpir a peça no formato desejado. O acabamento inclui o uso de lixas e, muitas vezes, de óleos naturais para proteger a madeira e destacar sua beleza.
A gamela nos rituais afro-brasileiros
Nas religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda, a gamela assume um papel sagrado, sendo amplamente utilizada em rituais e oferendas. Ela pode servir como recipiente para alimentos destinados aos orixás, como frutas, farinhas e outros elementos. Além disso, a gamela é usada para abrigar assentamentos de orixás, onde objetos sagrados representam a presença da divindade.
Xangô e a gamela: justiça, poder e abundância
Xangô, o orixá da justiça, do fogo, dos raios e trovões, é uma figura central nas religiões afro-brasileiras. Sua energia imponente está profundamente conectada à gamela, que adquire um simbolismo ainda mais significativo quando associada a ele.
A gamela como assentamento e ofertório
Para Xangô, a gamela não é apenas um recipiente; ela se torna um local sagrado de conexão com o orixá. Nos terreiros de Candomblé e Umbanda, a gamela é utilizada de duas formas principais:
- Assentamento: abriga objetos sagrados que representam Xangô, como as pedras de raio (otá), o machado de dois gumes (oxé) e outros itens carregados de axé (força vital). Esse assentamento funciona como um altar, onde são realizadas oferendas e rituais em sua homenagem.
- Ofertório: serve como receptáculo para oferendas a Xangô, como o Amalá. Esse prato ritual, preparado com quiabo, azeite de dendê, camarão seco e outros ingredientes, simboliza fartura, prosperidade e reverência ao poder do orixá.
Orixás e a gamela
Embora Xangô seja uma das principais figuras associadas à gamela, outros orixás também fazem uso desse utensílio em seus rituais:
- Oxóssi: o orixá da caça e da fartura, representado frequentemente com uma gamela cheia de alimentos da floresta.
- Iemanjá: a rainha do mar, que recebe oferendas em gamelas decoradas com elementos marinhos.
- Oxum: a orixá das águas doces, da beleza e do amor, cujas oferendas podem incluir gamelas adornadas com flores e objetos femininos.
- Ogum: o orixá da guerra e do ferro, que também pode ter seus assentamentos dispostos em gamelas.
Conexão ancestral e espiritual
A presença da gamela nos rituais afro-brasileiros reforça a conexão entre a natureza, os ancestrais e as divindades. Símbolo de fartura, proteção e continuidade da vida, esse utensílio transcende seu uso funcional para se tornar um elo sagrado entre o humano e o divino.
Ton Rodrigues
Estudante de jornalismo, pai de 3 crianças e pintor amador nas horas vagas. Leitor voraz e apaixonado pela música, mas nunca correspondido. Nascido em terreiro de Umbanda, estudioso do Candomblé.
VER PERFILISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Antes de continuar, esteja ciente de que o conteúdo discutido entre você e o profissional é estritamente confidencial. A Era Sideral não assume qualquer responsabilidade pela confidencialidade, segurança ou proteção do conteúdo discutido entre as partes. Ao clicar em CONTINUAR, você reconhece que tal interação é feita por sua própria conta e risco.
Aviso de conteúdo
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita. O site não se responsabiliza pelas opiniões dos autores deste coletivo.
Veja Também
Templo de Umbanda é reconhecido como patrimônio histórico de São Paulo
O Templo Espiritualista de Umbanda São Benedito torna-se o primeiro terreiro de umbanda tombado como patrimônio histórico de São Paulo.
Religiões no Brasil: Censo 2022 do IBGE aponta crescimento inédito da população evangélica no país
O Censo 2022 revela que evangélicos representam 26,9% da população brasileira, indicando mudanças no cenário religioso do país.
Afrofuturismo: reimaginando o futuro com raízes ancestrais
O Afrofuturismo reconecta futuro e ancestralidade negra. Ciência, arte e espiritualidade como ferramentas para curar, resistir e reimaginar o amanhã.
Por que se oferece café ao Preto Velho? Um gesto simples, mas cheio de sabedoria ancestral
Entenda por que se oferece café ao Preto Velho na Umbanda. Simbolismo, história e espiritualidade de um gesto ancestral de...




