IA descobre mais de 300 novos geoglifos em Nazca e revela um enigma que muda nossa visão do passado

IA encontra 303 novos geoglifos em Nazca, revelando dois universos simbólicos: rituais coletivos e narrativas íntimas das antigas trilhas.
IA descobre mais de 300 novos geoglifos em Nazca e revela um enigma que muda nossa visão do passado
Foto: Por Diego Delso, CC BY-SA 4.0 / WikiCommons

Por séculos, as linhas e figuras de Nazca no deserto do sul do Peru têm provocado fascínio e mistério. Desde que foram redescobertas no início do século XX, arqueólogos, astrônomos, espiritualistas e até ufólogos têm tentado decifrar seu significado. Agora, um estudo publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) apresenta uma descoberta sem precedentes: o uso de Inteligência Artificial permitiu encontrar 303 novos geoglifos figurativos em apenas seis meses — quase dobrando o número de desenhos conhecidos e abrindo novas interpretações sobre seu propósito.

A pesquisa, liderada por Masato Sakai (Universidade de Yamagata, Japão) com apoio do IBM Research, mostrou que a IA não apenas acelera a descoberta arqueológica, mas também fornece novas pistas para entender a diferença entre os dois estilos principais de figuras: lineares e de relevo. Mais do que formas no solo, esses dois grupos podem representar dois mundos simbólicos distintos — um voltado ao coletivo e ao cerimonial, o outro à comunicação íntima e local.

Um patrimônio único e milenar

Os geoglifos de Nazca — declarados Patrimônio Mundial pela UNESCO — são desenhos gigantes feitos no solo, obtidos pela remoção de pedras escuras para revelar o solo mais claro por baixo. Criados há mais de dois mil anos, sobreviveram graças ao clima árido, à ausência de agricultura e à estabilidade do solo da Pampa de Nazca, localizada a cerca de 50 km da costa peruana.

Eles se dividem em duas grandes categorias:

Geoglifos geométricos – linhas, retângulos, trapézios e formas abstratas.

Geoglifos figurativos – representações de humanos, animais, plantas e objetos, feitos em:

  • Estilo linear – grandes (média de 90 m), visíveis a grandes distâncias, ligados a rituais e peregrinações.
  • Estilo de relevo – menores (média de 9 m), discretos, com temáticas humanas, animais domesticados e cenas de interação.

Como a IA transformou a arqueologia de Nazca

O estudo usou um modelo de deep learning treinado com poucas centenas de imagens conhecidas, otimizando a detecção de geoglifos de relevo — os mais difíceis de identificar devido ao desgaste e ao tamanho reduzido.

O sistema analisou 629 km² da região em imagens aéreas de altíssima resolução, produzindo um mapa de probabilidade geoglífica. Os arqueólogos, então, revisaram mais de 47 mil sugestões do algoritmo, filtrando 1.309 candidatos promissores. Após inspeções de campo, 303 novos geoglifos foram confirmados, elevando o total para 683 de relevo e reforçando a presença de 50 lineares já conhecidos.

Esse salto é impressionante:

  • Antes: a taxa média de descoberta era de 1,5 geoglifo por ano (1940-2000).
  • De 2004 a 2020: 18,7 por ano, com imagens de satélite.
  • Agora: 303 em seis meses — um ritmo 16 vezes maior que o recorde anterior.

Dois mundos, dois propósitos

A análise comparativa revelou uma fronteira simbólica entre os dois estilos:

Lineares – o palco cerimonial coletivo

  • Localizados junto à rede de linhas e trapézios, a cerca de 34 m dessas estruturas.
  • Associados a rotas de peregrinação, especialmente ao Templo de Cahuachi e ao encontro de rios conhecido como tinkuy, lugar sagrado onde forças opostas se encontram.
  • Representam, em 64% dos casos, animais selvagens como macacos, aves, felinos e baleias.
  • Possivelmente usados em rituais públicos, com dimensões que permitiam que grupos inteiros interagissem com as figuras.

De relevo – a narrativa íntima das trilhas

  • Distribuídos próximos a trilhas sinuosas, a cerca de 43 m delas.
  • Maioria absoluta de representações humanas e de atividades humanas: humanoides (33,8%), cabeças decapitadas (32,9%) e lhamas domesticadas (14,9%).
  • Cenas de interação — caçadas, oferendas, cerimônias — sugerem comunicação visual entre viajantes ou comunidades próximas.
  • Podem ter servido como “mensagens no caminho”, acessíveis apenas a quem percorria aquelas trilhas.

A leitura espiritual e simbólica

Sob o olhar espiritualista, as diferenças entre os estilos podem indicar dois níveis de consciência coletiva:

  • O macrocosmo – representado pelas figuras lineares, é o espaço do culto público, da conexão com as forças da natureza e dos ciclos cósmicos. Ali, o indivíduo se dilui no coletivo.
  • O microcosmo – expresso nos relevos, guarda memórias mais pessoais, histórias de sangue, vida e morte, talvez até pactos espirituais. As cabeças decapitadas, por exemplo, podem simbolizar ritos de passagem ou troféus de guerra, mas também podem carregar o sentido de libertar o espírito do corpo físico.

Algumas tradições xamânicas e andinas veem as trilhas como linhas de energia, onde figuras poderiam atuar como pontos de poder, capazes de ancorar ou transmitir conhecimento. Nesse contexto, a IA não apenas encontrou desenhos antigos — ela reativou um mapa energético adormecido.

Mistérios que permanecem

Apesar dos avanços, muitas perguntas seguem sem resposta:

  • Por que certos animais aparecem exclusivamente nos lineares?
  • Qual era o papel social e espiritual das cabeças decapitadas?
  • Havia sincronização entre rituais nos lineares e eventos nos relevos?
  • Seriam ambos parte de um mesmo sistema simbólico, mas acessado por diferentes castas ou grupos?

Com quase mil potenciais geoglifos ainda não pesquisados, o deserto pode guardar revelações capazes de reescrever a história simbólica e espiritual dos povos de Nazca.

Uma corrida contra o tempo

O estudo alerta que, embora resistentes por milênios, os geoglifos estão ameaçados por:

  • Expansão urbana e agrícola.
  • Vandalismo e trânsito não autorizado.
  • Mudanças climáticas, que podem gerar chuvas e inundações repentinas.

O uso de IA, além de acelerar descobertas, é uma ferramenta para preservar e documentar o que ainda existe — antes que o tempo e a ação humana apaguem para sempre esse legado.

 

FAQ – Geoglifos de Nazca e a descoberta com IA

1. O que diferencia geoglifos lineares e de relevo?
Lineares são grandes, cerimoniais e coletivos; de relevo são menores, próximos a trilhas e retratam cenas humanas mais íntimas.

2. Por que a IA foi fundamental nessa descoberta?
A IA conseguiu identificar padrões quase invisíveis em imagens aéreas, algo impossível de mapear em tempo razoável apenas com inspeção humana.

3. Qual o significado das cabeças decapitadas?
Podem simbolizar troféus de guerra, sacrifícios rituais ou libertação espiritual — o sentido exato ainda é debatido.

4. Há conexão entre os dois estilos?
Possivelmente, sim. Podem representar dimensões diferentes de um mesmo sistema cultural, com funções sociais e espirituais complementares.

5. Quantos geoglifos ainda podem ser encontrados?
A estimativa é de ao menos 248 novos geoglifos figurativos aguardando confirmação, além de outros descobertos fora das previsões da IA.

Fonte: Sakai, M., et al. AI-accelerated Nazca survey nearly doubles the number of known figurative geoglyphs and sheds light on their purpose. PNAS (2025). DOI: 10.1073/pnas.2407652121

Redação Sideral

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