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Guerra e Paz em 100 anos de papado

Mais rápido do que o esperado, o sucessor do Papa Francisco foi eleito. No dia anterior ao anúncio, eu estava revisando o roteiro de um vídeo que seria distribuído aos parceiros sobre os favoritos ao cargo. Havia ali oito nomes. Pensei: “Não vai ser nenhum deles. O Universo tem seus mistérios.” E, de fato, o nome de Robert Francis Prevost não estava nessa lista dos prováveis. E o vídeo, que deveria ter sido editado para ser distribuído pela manhã, não ficou pronto. Não era pra ser. Teria mesmo sido um desperdício de energia botá-lo na rede.
No dia, eu acordei pensando na comemoração dos 80 anos do fim da 2ª Guerra Mundial – uma data para se comemorar com força total, com o mundo desse jeito, sendo sugado por uma nova espiral bélica. E, neste contexto, bem na Páscoa, perdemos um apóstolo da paz. Mas seus pensamentos, atitudes e discurso foram tão amplamente divulgados que ele continua presente, sobretudo nos corações das pessoas que anseiam por uma humanidade que pratique o amor sem julgamentos, o amor acolhedor e sensível, aberto à diversidade.
Nazifascismo: política e omissão
Tivemos tantos papas nestas últimas oito décadas, desde o fim da 2ª Guerra, mas as mudanças estruturais na Igreja Católica Apostólica Romana ocorrem com lentidão, minuciosamente… com avanços e travas, conforme a visão e o temperamento de cada pontífice. Como na confecção de uma joia, vão sendo adicionadas contas enquanto o mundo gira e a sociedade se movimenta. Sempre há muito a mexer, a revelar, a realizar…
Uma gigantesca reviravolta estava prestes a acontecer quando o Papa Pio XII assumiu seu posto em 2 de março de 1939 – seis meses antes da invasão da Alemanha na Polônia, 86 anos atrás. Praticamente nascido e criado no berço da Santa Sé, Eugenio G. Pacelli conviveu muito de perto com os papas Leão XIII (1878-1903), Pio X (1903-1914), Bento XV (1914-1922) e Pio XI (1922-1939). Com experiência política, Pio XII tinha plena consciência do que estava prestes a explodir quando assumiu o papado e logo recorreria ao rádio para difundir suas mensagens e preocupações com a dor sofrida pela sociedade.
Porém, documentos encontrados em 2019 nos arquivos do Vaticano, referentes à 2ª Guerra, revelam que Pio XII sabia do extermínio em massa de judeus em, pelo menos, três campos de concentração desde 1942; e que o abrigo aos judeus italianos em Roma pode ter sido, na verdade, um acordo que ele (“diplomaticamente”) fez com Hitler, a quem ele não denunciaria. Então, seria Pio XII o papa da contradição? Um traidor? Um papa político, certamente.
Concílio Vaticano II: algumas mudanças
Depois dele, veio o Papa João XXIII. Um ser humano provido de bondade e simplicidade. Aclamado de o “Papa bom”, ele promoveu a liberdade religiosa e o ecumenismo. Lembro que, na minha adolescência, se falava muito no Concílio Vaticano II – reunião ecumênica iniciada por João XXIII em outubro de 1962 e concluída pelo Papa Paulo VI em dezembro de 1965, com o objetivo de atualizar a Igreja a partir da discussão e regulamentação de vários temas que exigiam um posicionamento diante das grandes mudanças que vinham acontecendo no mundo.
E foram bem profundas, muitas destas reformas; mas, em certos assuntos, como o controle da natalidade por meios artificiais, Paulo VI permaneceu bastante conservador. Por outro lado, acolheu e promoveu o diálogo com pessoas de outras religiões e não religiosos. Viajou para os cinco continentes na posição de “um humilde servo de uma humanidade sofredora”, embora fosse tímido e não tivesse lá muito carisma.
A parceria entre o sorriso e a força
No dia 6 de agosto de 1978, quando Paulo VI fez sua passagem, eu estava estudando há meio ano num colégio de freiras. Eu era luterana, e minhas amigas e professoras, católicas. Lembro-me bem da eleição de João Paulo I e das freiras nos explicando como seria eleito o novo papa: que os cardeais ficariam isolados, sem comunicação com o exterior, rezando para serem iluminados pelo Espírito Santo… até a votação (secreta) definir o sucessor. O nome duplo de João Paulo, em homenagem a seus dois antecessores, foi algo inédito.
Junto com o nome, veio um carinhoso apelido: “Papa Sorriso” – sua bondade interior transparecia de maneira simpática e contagiante. Lembro como se fosse hoje o dia em que foi dada a notícia de seu falecimento. Ainda há muitas teorias da conspiração em torno de um suposto infarto do miocárdio, incluindo uma previsão de sua própria morte e da eleição de Karol Wojtyła. Porém, sua curta passagem pelo papado (33 dias) foi como colocar a chave certa na porta certa.
Seu sucessor, o Papa João Paulo II, abriu literalmente essa porta e se tornou um dos papas mais destacados do século XX, por seu carisma e dinamismo. Durante o seu pontificado, visitou 129 países, melhorou as relações da Igreja com outras religiões e teve forte influência no fim do regime comunista na Polônia, sua terra natal. Para mim, ele foi o papa da comunicação. Ator teatral na juventude, sabia lidar com o público, encarar uma câmera e se expressar em diversos idiomas. Fora a energia que tinha para viajar. Nem mesmo os atentados sofridos na Praça de São Pedro, em 13 de maio de 1981, e um ano depois, em Fátima (Portugal), o impediram de seguir adiante. O papado finalmente saía de trás das paredes do Vaticano e caminhava ao encontro de seus devotos.
Sombras do passado
O temperamento introvertido de seu sucessor, Bento XVI, considerado um dos maiores teólogos da história, foi um forte contraste e trouxe o papado novamente para seu interior. Mas, desta vez, em uma espécie de casulo, de processamento de questões mais sombrias da Igreja. Vieram à tona escândalos de corrupção e de abusos sexuais, como a pedofilia, praticados há décadas por integrantes do clero.
O papa de origem alemã, com um histórico de guerra por força do regime nazista, teve que enfrentar outra guerra: a da própria consciência. Conservador, avesso ao comunismo e à Teologia da Libertação, não soube lidar com as cobranças de seus pecados de omissão e acabou renunciando ao papado em fevereiro de 2013, alegando problemas de saúde.
Para mim, foi o papa das sombras. Aquele que teve que encará-las de frente, para abrir o livro da verdade que seria lido e revisto pelo seu sucessor, Francisco.
Desapego e simplicidade
E assim chegamos ao papa da humildade, do desapego. O primeiro papa jesuíta e latino-americano veio para tirar os excessos da casa. Isso já ficou claro pela própria numerologia da data de sua eleição: 13 de março de 2013. O número 13 (resultado, inclusive, da soma dessa data) é relacionado a desapego, recomeço, oportunidade de mudanças para uma evolução. Sabe aquele processo de tirar as ervas daninhas do terreno, revolver e adubar a terra para receber um novo cultivo? Aquele processo de tirar os entulhos e o que não serve mais de dentro de casa?
Francisco veio para fazer isso. Tal como o santo que inspirou a escolha do nome, o Papa Francisco foi, antes de tudo, um pontífice com coragem para botar a mão em vespeiros, com sabedoria para separar o joio do trigo e firmeza para praticar o legado de Francisco de Assis: simplicidade, humildade, paz, acolhimento e o amor por todos os seres viventes. Sim, porque não é fácil desapegar e se manter firme nesse propósito, seja no campo sentimental, material etc.
“Ah, como eu gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres!”, dizia ele como forte crítico do capitalismo selvagem, mas, ao mesmo tempo, contra a Teologia da Libertação devido ao cunho marxista do movimento. De qualquer modo, os primeiros passos foram dados. Para que a caminhada seja mantida, é preciso mesmo a força de um leão. Podemos achar que os cardeais elegem um novo papa por inúmeras razões: políticas, pessoais, espirituais e até mesmo ancestrais… Afinal, cada cabeça, uma sentença.
Mas quem assistiu ao filme Conclave (dirigido por Edward Berger) consegue ter uma ideia de que o processo começa pela razão e combinados políticos; há pouca conexão com a manifestação do Espírito Santo – a voz que vem do coração, a centelha divina dentro de cada um dos cardeais ali presentes. Porém, aos poucos, a frequência vai sendo ajustada e começa a se estabilizar. O isolamento não abre espaço para interferências do exterior e assim chega o momento em que o Divino toma seu lugar e impõe sua infinita sabedoria. É mesmo assim. Por isso, não adianta especular sobre quem será eleito.
No frigir dos ovos, é o Universo quem movimenta a engrenagem e organiza a votação. Parece mágica. Mas é mecânica quântica.
Uma ponte para a justiça social global
O virginiano (14/9/1955) Robert Francis Prevost, de dupla cidadania (estadunidense e peruana), é bastante conectado ao processo de desapego iniciado por Francisco. O desapego não só às riquezas materiais, mas também a regras morais preconceituosas, a valores que implicam em exclusão, a preocupações com a imagem da instituição. Pertencente à ordem de Santo Agostinho, cujo lema é: “Uma só alma e um só coração para Deus”, o Papa Leão XIV sinaliza que seguirá fiel ao legado de inclusão de seu antecessor, acrescentando uma profunda inspiração em Leão XIII (1878–1903), o papa dos operários e da “modernidade tecnológica”, por ter sido o primeiro papa a ser filmado por uma câmera de cinema (inventada por W. K. Dickson) e por ter sua voz registrada em gravações de som, até hoje acessíveis na web ou em CD.
Mas o que fez mesmo a diferença na trajetória papal de Leão XIII é que ele foi autor da primeira encíclica (Rerum Novarum) voltada à justiça social, que defende salários e condições de trabalho dignos, além do direito de trabalhadores se organizarem em sindicatos, num período de grande industrialização e urbanização na Europa. Leão XIII também melhorou bastante as relações com o Império Russo, a Prússia, o Império Alemão, a França, a Grã-Bretanha e a Irlanda, entre outros países, revelando-se um grande diplomata.
Mais uma inspiração para Leão XIV, o primeiro papa desses últimos 80 anos que não vivenciou as duas grandes guerras. Mas nasceu no período da Guerra Fria, o que pode ser sinalizado como um tipo de “estágio de aprendizado” para o que temos hoje. Então, partindo dessa conjuntura e dos princípios de simplicidade e acolhimento de Francisco – além do posicionamento do não desperdício e de suas preocupações com o meio ambiente e o fato de estarmos vivendo um novo período de tensões geopolíticas e conflitos ideológicos entre potências mundiais… fica bastante claro que é determinante a presença de um líder espiritual que saiba erguer pontes, que tenha um olhar amoroso e firme, além de muita energia para reformar a casa e todo o seu entorno.
E é bastante claro também que sua escolha não foi um mero acaso. O Papa Leão XIV representa a ponte entre os hemisférios norte e sul, entre o masculino e o feminino, entre a terra e o céu, entre o humano e o divino, entre o velho e o novo. Que ele possa ser o elo de união entre todos os povos e crenças, promovendo o respeito à diversidade e à manutenção da vida na face da Terra, de maneira justa e amorosa.
FAQ sobre 100 anos de papado
1. Quem foi eleito como sucessor do Papa Francisco?
Robert Francis Prevost, de cidadania estadunidense e peruana, foi eleito como o novo Papa, adotando o nome de Leão XIV. Sua escolha surpreendeu por não estar entre os favoritos ao cargo.
2. Por que o Papa Francisco é descrito como um papa do desapego?
Papa Francisco é descrito assim por sua postura de humildade, crítica ao capitalismo selvagem, defesa do meio ambiente e apoio aos pobres e marginalizados. Ele buscou uma Igreja mais simples e próxima do povo.
3. O que diferencia o Papa Leão XIV de seus antecessores recentes?
O Papa Leão XIV representa a continuidade dos ideais de Francisco, mas com forte inspiração em Leão XIII, defendendo a justiça social e o diálogo entre diferentes nações e culturas. É o primeiro papa em 80 anos que não viveu as grandes guerras mundiais.
4. Quais foram os principais escândalos enfrentados pelo Papa Bento XVI?
Bento XVI enfrentou denúncias de corrupção e abusos sexuais na Igreja, especialmente casos de pedofilia. Seu perfil conservador e sua dificuldade em lidar com essas crises levaram à sua renúncia em 2013.
5. Qual é a relação do novo papa com Santo Agostinho e Leão XIII?
Leão XIV pertence à ordem de Santo Agostinho, que valoriza a união espiritual e comunitária. Além disso, inspira-se em Leão XIII, conhecido por sua encíclica em defesa dos trabalhadores e pela atuação diplomática em tempos de modernização da Igreja.
Svea Kroner
Condutora de Om Chanting, terapeuta de Maha Lilah e reikiana. Como mestre em Comunicação Social, estabeleço conexões que promovem o autoconhecimento por meio de conteúdo audiovisual e jogos.
Especialidades: Maha Lilah, Reiki
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