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Messias político: a atração pela certeza absoluta e a submissão ao líder ungido
A relação entre fé e política tem ganhado proporções alarmantes no Brasil. Quando os indivíduos enfrentam a incerteza da vida, muitos buscam a certeza absoluta oferecida por líderes carismáticos. Esses líderes, frequentemente tratados como “ungidos”, prometem respostas fáceis para questões complexas. Em um contexto de insegurança, esse apelo é irresistível. Porém, esse movimento esconde perigos profundos para a liberdade individual e para o pensamento crítico.
Fuga da liberdade: a atração pela certeza e pela ordem
O filósofo Erich Fromm, em O Medo à Liberdade, explicou que a liberdade traz consigo uma enorme carga de responsabilidade. Para muitos, essa carga é assustadora. Em vez de abraçar a liberdade, as pessoas se sentem mais confortáveis entregando-se a uma figura de autoridade que oferece certezas inquestionáveis. Isso elimina as dúvidas e simplifica a vida. O problema é que, ao fazer isso, essas pessoas abrem mão de sua autonomia e do direito de questionar a realidade à sua volta.
O líder autoritário, então, se torna um refúgio psicológico. Ele apresenta um mundo ordenado, onde tudo se encaixa. Essa promessa de segurança acaba sendo mais atraente do que as complexidades da liberdade. As pessoas que não conseguem lidar com a liberdade e a responsabilidade preferem se submeter a uma autoridade que assume para elas o peso da decisão, ignorando as consequências dessa escolha.
O líder como intercessor: uma figura divina e imune à crítica
No cenário político atual, o líder muitas vezes não é apenas um político, mas alguém que se posiciona como intermediário entre o povo e uma força divina. A ideia de um líder ungido, escolhido por Deus, é poderosa. Esse líder não está sujeito à crítica, pois sua autoridade é considerada sagrada. Ao mesmo tempo, a obediência a ele é vista como um dever moral e até espiritual.
Essa ideia de imortalidade política torna-se perigosa. Ao seguir um líder que se vê como infalível, os seguidores aceitam qualquer decisão sem questionar. Essa dinâmica enfraquece o debate democrático e torna qualquer forma de oposição um “ataque” à moralidade divina. A crítica política, portanto, é automaticamente vista como herética ou imoral, tornando o espaço público cada vez mais polarizado e hostil à diversidade de opiniões.
A ética da intolerância: a certeza religiosa e o discurso de ódio
A certeza absoluta, seja religiosa ou ideológica, possui um lado sombrio: ela justifica a intolerância. Quando o líder e seus seguidores acreditam que sua visão do mundo é a única certa, qualquer discordância é vista como uma ameaça ao equilíbrio divino ou moral. Essa visão maniqueísta divide o mundo em “bons” e “maus”, criando uma luta constante contra aqueles que são considerados “inimigos” do líder e da verdade absoluta que ele representa.
Essa lógica de exclusão e intolerância não se limita à política. Ela se infiltra nas relações sociais e na cultura, criando um ambiente hostil para quem pensa de maneira diferente. O discurso de ódio, alimentado por essa certeza religiosa, acaba sendo aceito como necessário para proteger a sociedade dos “males” que a ameaçam. Nesse contexto, a pluralidade de ideias não é mais uma riqueza, mas uma ameaça a ser combatida.
O perigo psicológico e social da dominação total
O impacto psicológico desse tipo de dominação é profundo. O líder autoritário oferece uma falsa sensação de segurança, mas a um alto custo: a perda da autonomia. A obediência cega, incentivada por essa figura de autoridade, elimina a capacidade de pensamento independente. Os seguidores não apenas deixam de questionar suas decisões, mas também se tornam incapazes de questionar as realidades impostas pelo líder.
No plano social, esse fenômeno também traz graves consequências. Quando as pessoas se submetem à autoridade sem crítica, elas contribuem para o enfraquecimento das instituições democráticas. A polarização aumenta, e a convivência entre diferentes opiniões torna-se mais difícil. O ambiente se torna progressivamente mais intolerante e autoritário, prejudicando o tecido social e ameaçando os direitos individuais e coletivos.
A atração pela submissão ao líder ungido
O fenômeno da submissão ao líder ungido é um reflexo do medo da liberdade e da necessidade de certezas. Em tempos de insegurança, a figura do líder autoritário se apresenta como uma solução simples para questões complexas. No entanto, essa submissão representa uma perda significativa da autonomia e da capacidade de questionamento. O perigo é que, ao ceder a essa figura de autoridade, a sociedade enfraquece suas instituições democráticas e suas bases de convivência plural.
Portanto, a resistência a esse movimento exige a valorização da liberdade de pensamento e da diversidade de opiniões. A confiança em um líder que se apresenta como infalível é uma armadilha que mina as bases da democracia e da liberdade individual. Para garantir um futuro de convivência democrática, é essencial resistir à tentação de entregar-se a um líder ungido e, em vez disso, promover o pensamento crítico e a reflexão.
FAQ sobre messias político e apelo psicológico ao líder
Por que algumas pessoas buscam um “líder ungido” em vez da própria liberdade?
Segundo Erich Fromm, quando a liberdade humana traz insegurança, isolamento ou carga de responsabilidade, muitos buscam escapar desse fardo por meio da submissão a uma autoridade. Esse “refúgio” num líder promete ordem, certeza e proteção emocional frente ao caos da liberdade individual.
Como a figura do líder absoluto seduz quem se sente perdido ou ansioso?
Um líder carismático costuma apresentar-se como mediador entre o divino e o humano, oferecendo certezas morais — algo que dissolve dúvidas existenciais. Essa promessa de segurança psicológica ativa mecanismos instintivos de obediência e pertencimento, reduzindo o peso da dúvida individual e transformando seguidores em seguidores fiéis que aceitam a autoridade sem questionar.
O que distingue a “submissão autoritária” de uma adesão consciente e reflexiva à política?
A submissão autoritária elimina o pensamento crítico, delegando decisões à autoridade. Em contraste, a adesão consciente pressupõe dúvida, debate e reflexão individual. A dominação ideológica – especialmente quando misturada com fé – mina essa reflexão e constrói uma obediência acrítica, baseada no medo, no pertencimento e na promessa de salvação ou ordem.
Como a certeza absoluta religiosa justifica a intolerância e o ódio político?
Quando o líder afirma canalizar a “vontade divina”, qualquer oposição se torna herética ou imoral. Essa estrutura moral binária — bem vs. mal — legitima a demonização dos discordantes e consolida a repressão contra minorias ou grupos dissidentes. A fé deixa de ser liberdade espiritual e vira instrumento de dominação e exclusão.
Quais os perigos psicológicos e sociais desse tipo de dominação coletiva?
Esse modelo fragiliza a autonomia individual, promove medo e conformismo, e fomenta a polarização social. Ele destrói a pluralidade, reduz o debate democrático a dogmas e ameaça os direitos civis. A longo prazo, ele corrompe tanto a ética pessoal quanto a coesão social, construindo uma comunidade baseada no pânico existencial e na obediência cega.
Rogério Victorino
Jornalista especializado em entretenimento. Adora filmes, séries, decora diálogos, faz imitações e curte trilhas sonoras. Se arriscou pelo turismo, estilo de vida e gastronomia.
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