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A internacional fundamentalista: ligações globais entre o cristianismo conservador e a extrema-direita mundial
O fenômeno da extrema-direita religiosa não é um fenômeno isolado ao Brasil. Ele forma parte de um movimento transnacional que liga os cristianismos conservadores em diferentes partes do mundo à ascensão de regimes de extrema-direita. Essa conexão tem se mostrado não apenas ideológica, mas também estratégica, envolvendo questões de financiamento, mobilização e articulação política. O cristianismo conservador, com sua ênfase em valores tradicionais e em um modelo de moralidade rígida, serve como base para a legitimação de políticas ultraconservadoras, incluindo a exclusão de minorias e a repressão de direitos fundamentais.
EUA: a influência da “Alt-Right” e da “Religious Right” americana
Nos Estados Unidos, o cristianismo conservador tem sido uma força central na formação da “Alt-Right” e da “Religious Right”, dois grupos que desempenharam papéis fundamentais na eleição de Donald Trump e, subsequentemente, na invasão ao Capitólio em 2021. A “Alt-Right”, movimento que combina ultranacionalismo, racismo e xenofobia, encontrou uma base de apoio entre evangélicos, principalmente aqueles que defendem uma visão moralista e nacionalista do cristianismo. Já a “Religious Right” tem sido uma presença constante na política americana, influenciando decisões políticas em temas como aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo e direitos das mulheres.
Esses movimentos se alinharam com os interesses de uma parte significativa do eleitorado branco protestante evangélico, que se viu representado nas promessas de Trump de reverter políticas progressistas e restaurar os “valores cristãos” no país. A retórica de Trump frequentemente apelou ao medo da perda de identidade cristã e do avanço do secularismo, dando combustível às crenças de que os EUA estavam sendo tomados por uma onda de imigração e pela crescente presença de outras religiões, como o Islã.
A invasão ao Capitólio, embora motivada por várias questões, também foi alimentada pela ideia de que os Estados Unidos estavam sendo usurpados por forças externas e internas que ameaçavam sua identidade cristã. Esse evento demonstrou claramente como a retórica cristã conservadora pode ser instrumentalizada em movimentos políticos de extrema-direita, onde a política de intolerância e a defesa de um “nacionalismo cristão” se tornam as bandeiras de luta.
Europa: defesa da “civilização cristã” contra imigração e Islã
Na Europa, o discurso de “defesa da civilização cristã” tem sido utilizado por partidos de extrema-direita, como o Movimento Nacional, na França, o Partido Lei e Justiça na Polônia, e o partido FdI (Fratelli d’Italia) na Itália, para justificar políticas de imigração restritivas e hostilidade contra o Islã. Em um momento em que a Europa enfrenta uma crescente migração de refugiados do Oriente Médio e da África, esses partidos têm usado o cristianismo como um alicerce ideológico para fechar as portas e impedir a aceitação de muçulmanos e outras culturas consideradas “estranhas” à tradição europeia cristã.
Esses partidos têm se posicionado como os defensores da “identidade cristã” europeia, retratando a imigração como uma ameaça existencial à cultura e aos valores da civilização ocidental. Essa narrativa não é apenas política, mas também religiosa, associando o Islã ao terrorismo e ao extremismo, criando um ambiente de medo e desconfiança. A ideia de um confronto entre a “civilização cristã” e o Islã não é nova, mas ganhou novos contornos com o aumento do populismo na Europa.
Em países como a Hungria e a Polônia, onde o cristianismo e o nacionalismo se entrelaçam com a política, os líderes conservadores têm utilizado o discurso religioso para justificar políticas de intolerância e repressão. Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, se apresenta como um defensor da “Europa cristã” e tem se posicionado contra as políticas de imigração da União Europeia, usando a fé como uma das justificativas para sua retórica antimuçulmana e anti-refugiados.
Financiamento e estruturas: redes transnacionais de apoio
Além da articulação ideológica e política, o cristianismo conservador e a extrema-direita mundial compartilham uma rede de financiamento transnacional que apoia a difusão de suas pautas. Organizações não governamentais (ONGs), think tanks e igrejas financiam a produção de material de propaganda, a organização de eventos e até a eleição de candidatos que compartilham sua visão ultraconservadora.
Nos Estados Unidos, grupos como a Family Research Council e a Heritage Foundation têm sido cruciais na promoção de políticas que alinham a moralidade cristã com a agenda neoliberal e ultraconservadora. Além disso, as igrejas evangélicas de grande porte, com sua rede de doações, têm sustentado campanhas políticas que se alinham com a agenda de Trump e outras figuras políticas de extrema-direita.
Na Europa, a Fundação Konrad Adenauer, ligada ao partido CDU da Alemanha, e o grupo Ordo Iuris, na Polônia, têm influenciado a legislação em prol de políticas ultraconservadoras. Essas fundações e grupos transnacionais atuam como facilitadores para a criação de uma rede global de apoio, conectando movimentos de extrema-direita religiosa em diferentes países e criando uma frente comum contra o secularismo e as políticas progressistas.
Conclusão: o impacto global do cristianismo conservador na extrema-direita
O cristianismo conservador tem desempenhado um papel central na ascensão de movimentos de extrema-direita em todo o mundo. Nos Estados Unidos, Europa e em outras regiões, ele tem sido usado como uma ferramenta de mobilização, legitimando políticas que restringem direitos, incitam o ódio e promovem uma visão de mundo exclusivista e intolerante. A interconexão entre esses movimentos globais reflete não apenas uma aliança política, mas uma estratégia de poder que busca unificar as forças religiosas e políticas para resistir à mudança social e à pluralidade.
Com o apoio de redes transnacionais de financiamento e a colaboração entre partidos e líderes religiosos, a extrema-direita religiosa continua a ganhar força. O movimento não é apenas uma reação local, mas um fenômeno global que precisa ser analisado e compreendido em sua totalidade. Para combater esse fenômeno, é essencial fortalecer as instituições democráticas, promover a convivência plural e resistir ao retrocesso social impulsionado por agendas ultraconservadoras que usam a fé como um pretexto para a opressão e a intolerância.
FAQ sobre a internacional fundamentalista e o cristianismo conservador
Como o cristianismo conservador influenciou a ascensão da extrema-direita nos EUA?Nos EUA, o cristianismo conservador foi central na formação da “Alt-Right” e da “Religious Right”, que apoiaram Trump. Eles usaram a fé para mobilizar eleitores em defesa de políticas ultraconservadoras, como anti-imigração e contra direitos civis.
O que significa “defesa da civilização cristã” na política europeia?Na Europa, partidos de extrema-direita utilizam o discurso da “defesa da civilização cristã” para justificar políticas de imigração restritivas e hostilidade contra o Islã. A ideia é proteger a identidade cultural europeia contra o avanço do Islã e da imigração.
Quais são as redes transnacionais que financiam a extrema-direita religiosa?Redes como ONGs, think tanks e igrejas evangélicas financiam e promovem a agenda ultraconservadora globalmente. Nos EUA, grupos como a Family Research Council e a Heritage Foundation têm um papel central. Na Europa, a Fundação Konrad Adenauer e *Ordo Iuris* influenciam a política.
Como a Igreja Evangélica se relaciona com a política de extrema-direita?A Igreja Evangélica tem sido um dos principais pilares do apoio à extrema-direita, especialmente nos EUA e na Europa. Ela promove uma visão moral e religiosa que alinha com as políticas nacionalistas e anti-imigração de figuras políticas de direita.
Quais os perigos da aliança entre o cristianismo conservador e a extrema-direita?A aliança entre o cristianismo conservador e a extrema-direita ameaça as liberdades democráticas. Ao usar a fé como uma justificativa para políticas discriminatórias, ela enfraquece os direitos humanos e promove a intolerância religiosa e racial.
Rogério Victorino
Jornalista especializado em entretenimento. Adora filmes, séries, decora diálogos, faz imitações e curte trilhas sonoras. Se arriscou pelo turismo, estilo de vida e gastronomia.
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