O trânsito entre templo e palácio: radiografia do cristofascismo no Brasil contemporâneo

Como a bancada da fé e o bolsonarismo formam o cristofascismo no Brasil contemporâneo, com suas implicações políticas e sociais.
O trânsito entre templo e palácio: radiografia do cristofascismo no Brasil contemporâneo
Foto: Era Sideral / Direitos Reservados

No Brasil contemporâneo, a intersecção entre religião e política tem se intensificado de maneiras que provocam profundas questões sociais e éticas. A ascensão de grupos evangélicos na política, em especial a bancada da fé, e a adoção de retóricas religiosas em movimentos ultraconservadores, como o bolsonarismo, configuram o que se tem denominado como cristofascismo. Este fenômeno reflete uma fusão perigosa entre a fé religiosa e o poder político, capaz de moldar políticas públicas e influenciar a vida social e cultural do país.

A bancada da fé: a formação e o poder da frente parlamentar evangélica

A bancada da fé se consolidou como uma das forças mais influentes no Congresso Nacional nos últimos anos. Composta majoritariamente por parlamentares evangélicos, essa frente tem promovido uma agenda ultraconservadora, focada na defesa da moralidade religiosa e na promoção de valores cristãos, especialmente no que diz respeito à família tradicional, à oposição ao aborto e ao controle sobre a educação sexual.

Essa articulação entre políticos e líderes religiosos tem proporcionado uma aliança estratégica com outras forças conservadoras, como o agronegócio e setores militares. O impacto dessa bancada vai além da aprovação de leis específicas; ela também exerce forte influência sobre o debate público, ajudando a moldar a agenda política e, frequentemente, travando uma batalha ideológica contra progressistas e movimentos sociais.

O poder dessa frente parlamentar se expande ainda mais devido ao vínculo direto com o governo, especialmente durante a gestão de Jair Bolsonaro, que adotou a retórica cristã como parte central de sua agenda. Com isso, a bancada da fé tem garantido vitórias importantes em áreas como a educação, onde conseguiu influenciar a abordagem do ensino religioso e a implementação de projetos de lei com forte viés moralista.

O bolsonarismo como estudo de caso: legitimando a agenda antidemocrática e a necropolítica

O governo Bolsonaro é um exemplo emblemático do uso da religião como ferramenta de legitimidade política. A retórica cristã foi central na construção de uma base de apoio para o governo, com o lema “Deus, Pátria, Família” sendo repetido como um mantra de legitimação. Essa estratégia não se limitou à retórica; ela permeou as políticas públicas, afetando áreas críticas como saúde, educação e meio ambiente.

Durante a pandemia de COVID-19, a recusa em adotar medidas científicas eficazes foi justificada em termos religiosos, com Bolsonaro promovendo a ideia de que Deus protegeria os brasileiros da doença. Essa visão anticiência e a escolha por políticas de “imunidade de rebanho” resultaram em dezenas de milhares de mortes evitáveis, configurando um claro exemplo da necropolítica, onde a gestão da vida e da morte é manipulada para fins políticos, sem considerar o bem-estar da população.

No campo ambiental, a retórica cristã também foi utilizada para minimizar a destruição da Amazônia e a degradação dos ecossistemas, com líderes evangélicos defendendo a exploração econômica das terras indígenas como uma forma de “cumprir o plano divino”. A ideia de que Deus teria dado o mundo aos homens para ser dominado e explorado foi uma das justificativas utilizadas para enfraquecer políticas ambientais e ampliar o poder do agronegócio e de empresas do setor extrativo.

Economia e teologia: o neoliberalismo e a teologia da prosperidade

Outro elemento crucial do cristofascismo no Brasil é a aliança entre o neoliberalismo e o fundamentalismo religioso. A Teologia da Prosperidade, amplamente adotada por grandes igrejas evangélicas no Brasil, prega que a riqueza material é uma benção divina, sendo um reflexo direto da fé e da obediência a Deus. Essa crença tem sido uma importante justificativa para as desigualdades sociais, já que ela preconiza que o sucesso financeiro é um sinal de favor divino, enquanto a pobreza é vista como consequência de falhas espirituais.

A adoção de princípios neoliberais por líderes religiosos tem permitido uma agenda econômica que favorece o mercado e desconsidera as necessidades sociais mais amplas. A promulgação de políticas que beneficiam as grandes corporações e a destruição das redes de proteção social têm sido defendidas sob a ideia de que a prosperidade e o crescimento econômico são, de algum modo, manifestações de vontade divina. Isso cria uma visão distorcida da justiça social, onde a desigualdade não é apenas tolerada, mas até mesmo legitimada por uma interpretação religiosa da vida econômica.

Essa união entre teologia e economia reforça a agenda política de exclusão e discriminação, promovendo uma visão de mundo onde apenas aqueles que atingem determinado padrão econômico são considerados “abençoados”, enquanto os mais pobres são marginalizados. Além disso, essa retórica contribui para a perpetuação de um ciclo de desigualdade, onde os mais vulneráveis são culpabilizados por suas próprias condições sociais, de acordo com a interpretação religiosa dominante.

Conclusão: os desafios do cristofascismo no Brasil

O fenômeno do cristofascismo no Brasil é uma realidade que exige uma reflexão crítica sobre os rumos da política e da sociedade brasileira. A crescente influência de movimentos evangélicos na política, a retórica religiosa adotada por figuras de poder como Jair Bolsonaro e a intersecção entre neoliberalismo e teologia formam um quadro preocupante para a democracia e os direitos humanos no país.

É preciso entender como essas forças trabalham juntas para moldar a sociedade de acordo com uma visão conservadora, autoritária e muitas vezes excludente. O desafio agora é resistir a essa fusão de fé e poder político, resgatando os valores democráticos e promovendo um debate plural, onde todas as vozes possam ser ouvidas e respeitadas, sem a imposição de uma visão única e dogmática. O cristofascismo, com sua promessa de ordem e certezas, representa uma ameaça à liberdade de pensamento e à convivência democrática.

FAQ sobre o cristofascismo no Brasil contemporâneo

O que é a bancada da fé e qual seu impacto na política brasileira?
A bancada da fé é um grupo de parlamentares evangélicos que defendem uma agenda ultraconservadora e moralista no Congresso. Seu impacto é significativo, pois influencia a criação de leis sobre família, educação e direitos civis, com um foco na defesa de valores cristãos tradicionais.

Como o bolsonarismo utilizou a religião para legitimar sua agenda política?
O bolsonarismo usou a retórica cristã, especialmente o lema “Deus, Pátria, Família”, para construir uma base de apoio sólida, justificando políticas públicas com base em visões religiosas, como no caso da gestão da pandemia e da destruição ambiental, associando esses temas à vontade divina.

Qual a relação entre neoliberalismo e teologia no contexto brasileiro?
A Teologia da Prosperidade, associada ao neoliberalismo, prega que a riqueza material é uma benção divina. Essa visão justifica a desigualdade social, promovendo políticas que favorecem o mercado e negligenciam as necessidades sociais, ao mesmo tempo em que tratam os mais pobres como moralmente responsáveis por sua situação.

Como a retórica religiosa justifica políticas antidemocráticas e a necropolítica?
A retórica religiosa em governos como o de Bolsonaro legitima ações que atentam contra a democracia, utilizando a fé para excluir minorias e justificar decisões que colocam a vida humana em segundo plano, como no caso da gestão da pandemia e da violência policial.

Quais os principais riscos do cristofascismo no Brasil?
Os riscos incluem o enfraquecimento das instituições democráticas, a perpetuação da desigualdade social, a repressão a direitos civis e a criação de uma sociedade polarizada, onde a diversidade de pensamento é reprimida em nome de uma agenda religiosa e autoritária.

Rogério Victorino

Jornalista especializado em entretenimento. Adora filmes, séries, decora diálogos, faz imitações e curte trilhas sonoras. Se arriscou pelo turismo, estilo de vida e gastronomia.

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