Mademoiselle Lenormand: A grande sibila da Europa

Muito conhecida no Brasil, mas com reconhecimento internacional, seu túmulo é muito visitado no cemitério de Père Lachaise, onde curiosos e admiradores depositam flores e cartas de baralho. Ali repousa Marie-Anne Adélaide Lenormand.

Origens e infância marcada por perdas

Uma mulher fantástica envolta em mistérios, que, em teoria, teria desenvolvido o Petit Lenormand, mais conhecido como baralho cigano — embora apenas no Brasil essa associação tenha sido consolidada, por meio dos Romas (ciganos) em meados de 1910.

Algumas literaturas, porém, mencionam que o verdadeiro criador foi o alemão Johann Kaspar Hechtel, que teria projetado o baralho como parte de um jogo chamado “O jogo da esperança”. De qualquer forma, o tal baralho ficou famoso através de Marie-Anne.

Nascida em 27 de maio de 1772 na cidade de Alençon, França, em uma família de classe média trabalhadora, era filha do casal Jean Louis Antoine Lenormand e Marie-Anne Gilbert.

Marie-Anne iniciou sua vida de forma peculiar — ou até bizarra. Carregava o nome da mãe e da primeira filha do casal, que faleceu horas após o nascimento. Para a época, isso era visto como mau agouro.

Seu pai, comerciante de tecidos, faleceu ainda no seu primeiro ano de vida. A mãe casou-se novamente, mas faleceu quando Marie-Anne tinha apenas seis anos. Criada por um casal sem vínculos consanguíneos, cresceu com dois irmãos, sem afeto materno verdadeiro.

Vida nos conventos e o despertar dos dons

Com uma personalidade forte e difícil convivência com a madrasta, foi enviada para um convento. Desde cedo, demonstrava imaginação vívida, gostava de artes, música, idiomas e leitura. Brincava de profetizar com colegas, comportamento que despertava reprovação das freiras.

Em uma ocasião, previu a destituição da Madre Superiora, descrevendo inclusive sua substituta. A profecia se cumpriu seis meses depois, após Marie-Anne já ter sido transferida para outro convento por conta da repercussão.

Ela continuava com dificuldades de adaptação e foi expulsa novamente. De volta para casa, aos 14 anos, começou a trabalhar no pequeno comércio do padrasto em Paris, o que facilitou seus estudos místicos e contato com livros e pessoas ligadas à clarividência.

A astróloga precoce em Londres

Com a Revolução Francesa estourando em 1789, Marie-Anne — com apenas 17 anos — viaja sozinha para Londres, onde começa a trabalhar como astróloga. Lá, conhece o Dr. Joseph Gall, médico alemão naturalizado francês e pai da frenologia (estudo das formas do crânio).

Gall analisa a jovem Marie-Anne e declara que ela será “a grande feiticeira da Europa”. Nasce uma amizade, e Gall compartilha conhecimentos de psicologia com ela.

Fama e previsões certeiras

De volta a Paris, Marie-Anne se torna leitora de livros (littrice) para um aristocrata, e passa a viver por conta própria. Aprende com a cartomante Madame Gilbert, que a inicia no Tarô de Etteilla, de Jean-Baptiste Alliette, ocultista que popularizou os jogos com fins adivinhatórios.

Instala-se na Rue de Tournon, n°5, onde atende seus clientes em meio à sua livraria esotérica, camuflando as consultas — já que a cartomancia era proibida. Atendia com valores variados, de acordo com a condição social do cliente. Além das cartas, usava métodos como quiromancia, geomancia, libanomancia, leitura da borra de café e espelhos.

A elite se rende às previsões

Sua fama cresce entre aristocratas, artistas e membros da corte. Entre seus clientes, destacam-se:

• Príncipe de Gales
• Conde de Provença (irmão de Louis XVI)
• Princesa de Lamballe
• Maria Luísa Teresa de Saboia, íntima de Maria Antonieta

Em 1794, durante o auge da Revolução Francesa, é presa e enviada à prisão ‘La Petite Forçe’. Lá, recebe uma carta da futura imperatriz Joséphine de Beauharnais solicitando consulta. Marie-Anne prevê sua sobrevivência à revolução, o casamento com Napoleão e sua coroação — tudo se cumpre. Nasce uma relação de amizade e confiança.

Mas ela também prevê a separação de Joséphine e a queda de Napoleão — o que, anos depois, também se concretiza.

Escritora e símbolo popular

Aos 41 anos, após a restauração da França, Lenormand dedica-se à escrita e publica 15 livros, entre eles:

• Lembranças Proféticas
• Memórias Secretas da Imperatriz Joséphine

Esse último causou polêmica, incluindo desenhos das mãos de Joséphine com dados de quiromancia, provando a intimidade entre as duas.

Era conhecida por seu bom humor e diplomacia. Em uma ocasião, sua vida foi retratada em uma peça cômica de teatro. Marie-Anne comprou o melhor camarote e, ao final, aplaudiu de pé os atores, conquistando o público com sua postura.

Legado e morte

Marie-Anne nunca se casou nem teve filhos. Construiu uma fortuna considerável, deixada ao seu sobrinho. No entanto, ele não aprovava suas práticas místicas e destruiu todos os seus baralhos, livros e registros, queimando seu legado físico.

Faleceu em 23 de junho de 1843, aos 71 anos. Seu túmulo, em Père Lachaise, ainda é visitado por admiradores, que deixam cartas e flores como tributo à grande sibila da Europa.

FAQ – Perguntas frequentes

Mademoiselle Lenormand criou o baralho cigano?

Ela popularizou seu uso, mas o Petit Lenormand foi inspirado no “Jogo da Esperança”, criado por Johann Kaspar Hechtel. No Brasil, o baralho cigano foi associado a ela pelos ciganos que o trouxeram.

Quais métodos de adivinhação ela utilizava?

Além do tarot, usava quiromancia, geomancia, libanomancia, leitura de borra de café, fragmentos de espelho e mais.

Ela realmente previu o futuro de Napoleão?

Sim. Previu o casamento e a coroação de Joséphine, assim como o fim do relacionamento e a queda de Napoleão Bonaparte.

Onde ela está enterrada?

No cemitério Père Lachaise, em Paris — um dos túmulos mais visitados por místicos e curiosos.