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Quantos āsanas existem no yoga? Mitos, textos antigos e a prática moderna explicam

Ao pensarmos em yoga, mesmo os mais leigos no tema já ouviram ou pronunciaram a palavra āsana. As conhecidas posturas do yoga tornaram-se, nos últimos tempos, o principal “cartão de visita” da prática — impulsionadas por um marketing de culto ao corpo e à performance. Vemos movimentos belos, plásticos, amplos, complexos, diferentes, muitas vezes até impensáveis.
Então, surge a dúvida: em meio a tantas posturas corporais, quantos āsanas será que existem?
Antes de buscar essa resposta, precisamos retornar às origens da prática para entender um pouco mais sobre os āsanas.
A lenda de Matsyendra
Existem várias versões sobre como Matsyendra aprendeu os ensinamentos do Hatha Yoga. Uma delas conta que ele era um simples pescador, nascido em uma família humilde. Certo dia, às margens de um rio, viu eremitas praticando rituais e perguntou o que faziam. Disseram estar realizando práticas ensinadas pelo próprio Shiva, com o objetivo de atingir a perfeição.
Matsyendra, tocado por algo profundo, pediu para aprender. Os eremitas aceitaram. Por seis meses, ele se dedicou diariamente aos ensinamentos. Até que, ao entrar no rio para se banhar, foi engolido por um peixe gigante e luminoso, que nadou até a ilha mística de Banga Desa, onde Shiva instruía sua esposa Parvati sobre os segredos mais avançados do yoga.
De dentro do peixe, Matsyendra ouviu tudo. Ao sair, apresentou-se a Shiva, que não se surpreendeu — tudo já fazia parte de seu plano para transmitir à humanidade os mistérios do yoga.
Shiva: o dançarino cósmico
Na simbologia do yoga, Shiva, “O Auspicioso”, é representado como o dançarino cósmico — Nataraja — cuja dança sustenta os ciclos de criação, preservação e destruição do universo. Ele também é associado às posturas (āsanas), à meditação, ao silêncio e à transcendência.
Mas… quantos āsanas existem, segundo a mitologia?
Se considerarmos literalmente a presença de Shiva como fonte dos ensinamentos, e lembrarmos que ele é um deus polimórfico — com múltiplos braços, cabeças, pernas — então seria possível imaginar um número infinito de āsanas, muitos dos quais nem mesmo acessíveis à anatomia humana.
Esse é o ponto central: há movimentos que pertencem apenas ao plano simbólico, além da nossa compreensão. A consciência humana, limitada por sua dualidade, não consegue abarcar integralmente a totalidade cósmica que uma deidade como Shiva representa.
Logo, sob o olhar da cosmogonia e dos mitos, a resposta seria: há āsanas que sequer podemos conceber — e, por isso, não se pode contar aquilo que nos transcende.
Nem sempre os āsanas foram o foco
Um detalhe importante: em momento algum a lenda afirma que Matsyendra aprendeu posturas secretas. Ele aprendeu ensinamentos. Usamos a história aqui para lembrar que há perguntas que não podem ser respondidas com números.
A obsessão por posturas é recente. Começa no yoga postural moderno, que surgiu há cerca de 120 anos e se popularizou entre americanos, europeus e russos — culturas já influenciadas por ginástica, atletismo e o culto ao corpo.
Nas origens, ligadas ao Tantra e ao Sāṃkhya, a prática era mais voltada à recitação de mantras, visualizações, respirações, meditações, e possuía uma sólida base filosófica e ética.
Textos antigos raramente enfatizam os āsanas. Para efeito de comparação:
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Goraksha Shataka (século X): 2 āsanas
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Hatha Pradipika (século XIV): 15 āsanas
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Hatha Ratnavali (século XVI): 84 āsanas
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Gheranda Samhita (século XVII): 32 āsanas
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Shiva Samhita: 4 āsanas
Foi apenas em 1934, com Krishnamacharya e sua obra Yoga Makaranda, que vemos um salto para 100 posturas descritas. Trinta anos depois, seu discípulo Iyengar apresenta 602 āsanas no livro Light on Yoga.
Mais recentemente, temos o livro 2,100 Asanas: The Complete Yoga Poses.
Como podemos classificar os āsanas no yoga?
Com tantas posturas registradas, como organizar esse conhecimento? Podemos classificar os āsanas de várias formas:
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Por tipo de movimento: flexão, extensão, torção, lateralização
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Por eixo corporal: coluna, braços, relação com a gravidade
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Por postura base: sentado, em pé, deitado, ajoelhado, invertido
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Por função terapêutica: voltada ao efeito desejado (alívio, ativação, relaxamento)
Todavia, uma classificação mais funcional pode ser aquela que parte do efeito terapêutico da postura e sua adaptação a diferentes contextos e corpos. Essa abordagem permite personalizar a prática com sensibilidade e segurança.
Veja alguns critérios usados em aulas mais contemporâneas:
Critério de Classificação | Descrição | Aplicações Didáticas | Exemplo de Āsanas |
---|---|---|---|
Pela região alvo (terapêutica) | Mobiliza ou alivia áreas específicas do corpo | Adapta a aula para alunos com dor na cervical, lombar etc. | Viparita Karani, Apanasana, Balasana |
Pelo efeito funcional | Classifica o impacto da postura no sistema corporal | Direciona a escolha conforme a necessidade do grupo (estímulo ou relaxamento) | Sarvāṅgāsana → estímulo; Balāsana → relaxamento |
Pelo nível de exigência | Avalia esforço físico e complexidade técnica | Planeja a progressão da prática — do simples ao avançado | Tadasana (acesso fácil), invertidas (exigência alta) |
Pela capacidade de adaptação | Considera se a postura pode ser adaptada para iniciantes, gestantes etc. | Monta aulas inclusivas, respeitando limites individuais | Uttanāsana com apoio, Supta Baddha Konāsana |
Por contraindicações regionais | Avalia se há risco para lesões existentes | Evita posturas perigosas em casos de hérnia, dores crônicas ou desequilíbrios posturais | Evitar Halāsana em hérnia cervical |
Conclusão: é sobre isso
Não há um número exato de āsanas. O yoga postural moderno incorporou movimentos do circo, da ginástica, do teatro, da dança, criando vertentes como Acro Yoga, Hot Yoga, Ashtanga Vinyasa Yoga — todas com milhares de variações.
A verdade é que o corpo humano tem limites anatômicos definidos: dois braços, duas pernas, uma cabeça, um tronco. A partir disso, podemos explorar milhares de combinações possíveis — talvez 10 mil ou mais.
Mas talvez a pergunta que devemos fazer não seja “quantos āsanas existem?”, e sim:
Qual o propósito de cada āsana em minha experiência?
O que ele me revela, transforma ou sustenta?
O número é irrelevante diante do essencial.
FAQ sobre āsanas no yoga
1. O que significa āsana no yoga?
Āsana significa “assento” ou “postura estável”. É a base física da prática, mas vai além de simples posições corporais.
2. Existem mesmo mais de 2.000 āsanas?
Sim. No yoga moderno, várias posturas foram criadas, adaptadas ou reinterpretadas. Há livros com mais de 2.000 variações.
3. Os āsanas sempre foram o centro da prática de yoga?
Não. O foco em posturas é recente. O yoga tradicional enfatizava meditação, respiração, condutas éticas e estados de consciência.
4. Qual é o āsana mais antigo?
Textos antigos citam basicamente duas posturas: Padmāsana (lótus) e Siddhāsana, voltadas à meditação.
5. Posso adaptar os āsanas para meu corpo?
Sim. Uma das bases do yoga é a adaptação. A prática deve respeitar as limitações e necessidades individuais.
Jorge Giampa
Consultor de Saúde e Bem-Estar, Professor de Yoga, Pilates e Qi Gong. Estudioso do corpo, mente e alma humana. Formado nas áreas de Educação Física e Terapias Corporais.
Especialidades: Yoga
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