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Diagnóstico de TDAH na infância: por que a escuta clínica precisa ser cuidadosa
Nos atendimentos com crianças pequenas, é comum eu ouvir pais e professores preocupados com distrações, inquietações e impulsividades. Muitas vezes, esses comportamentos já vêm acompanhados de um rótulo: TDAH. Mas será mesmo?
Como fonoaudióloga clínica com quase três décadas de atuação, tenho percebido um aumento expressivo no número de crianças com suspeita de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. E essa frequência crescente me faz retomar um ponto essencial: o diagnóstico do TDAH na infância precisa ser feito com muito critério. Não apenas porque se trata de uma condição complexa, mas porque um erro aqui pode marcar o percurso de uma criança por anos.
Nem toda inquietação é TDAH
O TDAH é caracterizado por três grandes grupos de sintomas: desatenção, hiperatividade e impulsividade. Esses sinais, no entanto, só configuram o transtorno quando estão presentes de forma persistente, geram prejuízos reais e se manifestam em mais de um ambiente. Isso significa que a criança precisa apresentar esses comportamentos tanto em casa quanto na escola, por exemplo — e de maneira consistente.
Mas na prática clínica, vemos que muitos desses comportamentos também aparecem em fases normais do desenvolvimento ou em contextos específicos, como mudanças familiares, excesso de estímulos ou falta de rotina. Crianças pequenas, por exemplo, naturalmente têm dificuldade para sustentar a atenção por longos períodos. E diante de uma separação dos pais, da chegada de um irmão ou de um ambiente escolar desorganizado, é comum que se tornem mais agitadas ou desatentas.
Diagnóstico não é adivinhação
Uma avaliação precisa não se baseia em listas de sintomas, mas na escuta qualificada e no entendimento da história da criança. É preciso considerar:
- Como ela reage em diferentes contextos?
- Houve mudanças recentes em sua vida?
- Como é sua comunicação verbal e não verbal?
- Esses comportamentos estão afetando suas relações ou aprendizagem?
Além disso, é fundamental que o diagnóstico de TDAH seja feito por uma equipe interdisciplinar. Psicólogos, neurologistas, fonoaudiólogos, pedagogos e foniatras têm papéis distintos, mas complementares nesse processo. Cada um contribui com uma lente, e é a sobreposição dessas lentes que nos permite ver a criança com mais nitidez.
O risco do diagnóstico precoce e impreciso
Quando um diagnóstico é feito sem profundidade, há o risco de etiquetar a criança de forma equivocada. Isso pode levá-la a tratamentos desnecessários, uso precoce de medicação e afastamento de outras possibilidades de compreensão. Já acompanhei casos em que o diagnóstico inicial era TDAH, mas o que havia, na verdade, era um Transtorno do Desenvolvimento da Linguagem (TDL). A criança não conseguia acompanhar as instruções, mas não por desatenção — e sim por dificuldades de compreensão oral.
Esses equívocos mostram como o diagnóstico precisa ser mais do que uma conclusão: ele deve ser um processo. Um caminho de escuta, observação e diálogo com a criança, sua família e a escola. Quando o foco está apenas no comportamento, perdemos a chance de entender as razões pelas quais a criança age como age.
O lugar da fonoaudiologia nessa escuta
Na equipe interdisciplinar, o fonoaudiólogo tem um papel sensível e estratégico. Nosso olhar está voltado à linguagem, mas também à forma como a criança se expressa, compreende, interage e organiza o pensamento. Dificuldades de atenção podem estar diretamente ligadas à linguagem. Uma criança que não compreende bem as instruções tende a se dispersar; outra que tem dificuldades para se expressar pode agir de maneira impulsiva por frustração.
Assim, ao avaliarmos a linguagem, também estamos avaliando aspectos da atenção, da memória de trabalho e da capacidade de planejamento. Isso nos permite identificar se o comportamento é mesmo um sintoma de TDAH ou se é reflexo de outro desafio do desenvolvimento. Quando escutamos com cuidado, evitamos diagnósticos apressados e abrimos espaço para intervenções mais respeitosas e eficazes.
Mais escuta, menos pressa
Em suma, na dúvida entre nomear ou observar, fico com a observação. Pois um bom diagnóstico não se apressa. Ele se constrói no tempo da criança, no tempo da escuta, no tempo da relação. E, acima de tudo, ele reconhece que por trás de todo comportamento há sempre uma história a ser entendida — não apenas um sintoma a ser controlado.
FAQ sobre diagnóstico de TDAH na infância
O que é TDAH?
É um transtorno neurobiológico que se manifesta por sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade, com início na infância.
Como saber se meu filho tem TDAH ou apenas está passando por uma fase?
A avaliação clínica cuidadosa, feita por uma equipe interdisciplinar, é essencial para diferenciar comportamentos transitórios dos sinais do transtorno.
O fonoaudiólogo pode ajudar a diagnosticar TDAH?
Sim. O fonoaudiólogo contribui identificando se há dificuldades de linguagem que podem estar interferindo na atenção ou comportamento da criança.
Quais os riscos de um diagnóstico precoce e impreciso?
Um diagnóstico precipitado pode levar a intervenções desnecessárias, uso indevido de medicamentos e atraso no tratamento adequado.
O TDAH pode ser confundido com outros transtornos?
Sim. Transtornos de linguagem, dificuldades emocionais ou situações familiares complexas podem gerar comportamentos semelhantes aos do TDAH.
Rita Paula Cardoso
Fonoaudióloga clínica da infância, especializada no desenvolvimento da linguagem. No blog Fala Expressa aborda temas relacionados ao desenvolvimento da fala, linguagem, inclusão e bilinguismo.
Especialidades: Fonoaudiologia
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