Depressão materna: como ela pode afetar o desenvolvimento infantil e aumentar o risco de TEA

A depressão materna na gestação e no pós-parto pode influenciar o desenvolvimento da linguagem da criança. E até aumentar o risco de TEA.
Foto: Era Sideral / Direitos Reservados
Foto: Canva

Os efeitos da saúde mental da mãe nas primeiras interações e na aquisição da linguagem

Falar sobre depressão materna é necessário, embora ainda seja desconfortável para muitas famílias. Quando a tristeza profunda se instala justamente no momento em que se espera alegria, nasce também o risco de silenciamento — não só da mãe, mas também do bebê. E é nesse silêncio precoce que podem se configurar dificuldades no desenvolvimento infantil, incluindo o risco aumentado para o Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Enquanto a medicina se dedica, com razão, a investigar os efeitos dos antidepressivos na gravidez, outras áreas, como a psicanálise e a fonoaudiologia, nos convidam a olhar para o invisível: a qualidade do vínculo entre mãe e bebê. Afinal, é nessa relação que a linguagem nasce, cresce e se transforma.

Quando o espelho falha: o impacto do vínculo na construção do sujeito

Nos primeiros meses de vida, o bebê ainda não possui palavras, mas já vive em linguagem. Ele escuta, observa, imita, responde. A voz materna embala, organiza e traduz o mundo. O bebê é, inicialmente, aquilo que o outro diz que ele é. Se essa voz chega abafada pela depressão, o espelho emocional pode se tornar opaco.

Uma mãe deprimida pode, sem querer, reduzir o contato visual, os sorrisos espontâneos e a melodia da fala — todos ingredientes fundamentais para que o bebê desenvolva a atenção compartilhada e, mais adiante, a linguagem. Assim, o que era para ser troca, vira ausência. O que era para ser encontro, vira distância.

Interações empobrecidas e os riscos para o desenvolvimento da linguagem

A linguagem não se ensina como se ensina a andar de bicicleta. Ela emerge nas entrelinhas dos afetos. Quando há menos troca, há menos oportunidade para nomear o mundo. Um ambiente emocionalmente empobrecido pode atrasar marcos importantes da comunicação, mesmo que não exista nenhuma condição neurológica de base.

Em crianças geneticamente predispostas ao TEA, esse ambiente fragilizado pode intensificar as dificuldades. Não se trata, evidentemente, de atribuir culpa à mãe. Trata-se, sim, de reconhecer que o ambiente emocional importa — e muito. Importa no ritmo do olhar, na cadência da fala, no prazer da repetição das palavras.

Por que a voz importa tanto para o bebê

Desde o nascimento, o bebê reage à musicalidade da fala. A entonação exagerada, o ritmo lento e os sons repetitivos do chamado mamanhês despertam interesse e criam uma trilha sonora afetiva entre mãe e filho. Quando a depressão apaga essa melodia, o bebê escuta menos nuances, diferencia menos sons e se desinteressa pela troca vocal.

Isso pode afetar diretamente a percepção auditiva e a discriminação fonêmica — habilidades essenciais para que a criança aprenda a falar. Portanto, mesmo que o bebê não compreenda o significado das palavras, ele precisa se encantar pela música que elas carregam. É pela emoção que a linguagem se instala.

Como agir quando há sinais de sofrimento

O acolhimento precoce da mãe é tão importante quanto o estímulo à criança. Algumas estratégias podem ser adotadas para minimizar os impactos:

  • Psicoterapia para a mãe: buscar apoio emocional ajuda a restaurar a conexão com o bebê e a reorganizar o espaço interno da mãe.
  • Rede de apoio envolvida: familiares e outros cuidadores podem oferecer ao bebê as interações afetivas que a mãe, temporariamente, não consegue sustentar.
  • Fonoaudiologia preventiva: a intervenção precoce, com foco em musicalidade, jogos vocais e brincadeiras sonoras, fortalece o vínculo e estimula a linguagem.

O que precisamos lembrar

Depressão materna não significa fracasso. Significa sofrimento. E esse sofrimento, quando acolhido, pode se transformar. Reconhecer os sinais, buscar ajuda e permitir que o bebê seja incluído nesse cuidado é uma forma potente de prevenir dificuldades futuras. Não se trata de prever um diagnóstico, mas de construir um caminho mais seguro para que a criança possa se desenvolver em sua plenitude.

O bebê precisa de presença, não de perfeição. Precisa de voz, não de explicações. E quando essa voz falha, a escuta cuidadosa de outros profissionais pode fazer toda a diferença. É nesse espaço de escuta e cuidado que a linguagem floresce — mesmo depois do silêncio.

FAQ sobre depressão materna, desenvolvimento infantil e o risco de TEA

Depressão materna pós-parto pode causar autismo?
Não. A depressão não causa TEA, mas pode intensificar dificuldades em crianças que já têm predisposição genética.

Como saber se a depressão da mãe está afetando o bebê?
Sinais como pouco contato visual, ausência de vocalizações e dificuldades de interação podem indicar impacto no vínculo.

O que é mamanhês e por que ele é importante?
Mamanhês é a fala afetiva e musical usada com bebês. Ele ajuda na atenção, percepção auditiva e início da linguagem.

Quando procurar um fonoaudiólogo?
Se houver atraso na fala, pouco interesse por sons ou dificuldades de interação, é importante buscar avaliação precoce.

Como ajudar a mãe com depressão a se conectar com o bebê?
Ofereça escuta sem julgamento, incentive a busca por apoio terapêutico e auxilie com interações sensíveis com o bebê.

Rita Paula Cardoso

Fonoaudióloga clínica da infância, especializada no desenvolvimento da linguagem. No blog Fala Expressa aborda temas relacionados ao desenvolvimento da fala, linguagem, inclusão e bilinguismo.

Especialidades: Fonoaudiologia

VER PERFIL

Aviso de conteúdo

É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita. O site não se responsabiliza pelas opiniões dos autores deste coletivo.

Deixe um comentário

Veja Também