Bebê reborn: o que revela essa maternidade simbólica?

Entenda o apego aos bebês reborn e suas implicações no desenvolvimento afetivo e da linguagem. O que essa maternidade nos ensina?
Bebê reborn: o que revela essa maternidade simbólica?
Foto: Canva

O bebê reborn é um modelo hiper-realista de boneca, que se caracteriza pela imitação perfeita de um bebê real, sem choro, sem doenças e sem a necessidade de interagir de maneira emocional. Ele é imóvel, os olhos podem estar fechados ou abertos, e nunca exige uma resposta real.

Embora à primeira vista pareça ser apenas um brinquedo, para muitos adultos, ele simboliza algo muito mais complexo — uma tentativa de reconstrução de uma maternidade idealizada, ou a busca por algo perdido. Para muitas pessoas, esses bebês não são simples brinquedos, mas ocupam um lugar simbólico, cheio de significados.

A maternidade simulada: vínculos sem linguagem

No trabalho clínico com crianças pequenas, frequentemente observamos que objetos podem substituir presenças reais. Um travesseiro, uma boneca ou um cobertor podem se tornar representações simbólicas de afetos ausentes ou de vínculos interrompidos. Com os bebês reborn, essa substituição se torna ainda mais evidente. O objeto, neste caso, reflete de forma precisa o que foi perdido ou o que se deseja: uma maternidade idealizada e sem conflitos.

O bebê reborn, no entanto, não responde. Ele não sorri, não reage e não oferece o olhar. Ele não tem vida, mas em seu silêncio absoluto, ele demanda um tipo diferente de relação, sem a alteridade e a troca fundamentais para a construção da linguagem.

O silêncio do reborn e a escuta fonoaudiológica

Na prática fonoaudiológica, a escuta vai além do ato de ouvir. Escutar é acolher, perceber a tentativa do outro de se comunicar, mesmo quando ele não usa palavras. A linguagem se forma nas trocas, nas respostas, nas gestos e no olhar. No caso do bebê reborn, esse processo de troca é interrompido, e o vínculo que deveria ocorrer através da linguagem não se concretiza.

Quando uma mãe responde ao choro de seu bebê, a comunicação acontece em um ciclo de significações. A linguagem não é apenas verbal, ela é corpo, troca, e atenção conjunta. Quando nos deparamos com o apego ao reborn, precisamos olhar mais atentamente para o que está sendo dito neste silêncio. O que ele revela sobre o vínculo e sobre a ausência de respostas? O que a maternidade simbólica está tentando expressar?

Fantasias, luto e o desejo de maternar

Mulheres que se apegam aos bebês reborn frequentemente relatam histórias de perdas gestacionais, infertilidade, luto ou ausência de vínculos afetivos reais. Neste contexto, a maternidade reborn não é um simples capricho, mas uma tentativa simbólica de preencher um vazio. Ela fala de algo que foi perdido ou que nunca aconteceu: o desejo de maternar, mas sem a exigência de enfrentar as complexidades de um vínculo real, com todas as suas demandas, crises e crescimento.

Para a fonoaudiologia, isso é crucial. A linguagem, como sabemos, só existe no encontro com o outro. Não há linguagem sem o outro. Quando um vínculo se forma com um objeto, a comunicação se torna empobrecida. A troca necessária para a construção da linguagem se perde, e com ela, as experiências de interação e alteridade.

O papel da fonoaudiologia diante desse vínculo simbólico

Embora o bebê reborn possa ser utilizado de forma terapêutica em contextos específicos, como em casos de transtornos do desenvolvimento, é importante que seu uso seja sempre supervisionado e criterioso. Ele pode funcionar como um mediador de vínculo, especialmente em atendimentos a crianças com autismo, mas nunca deve substituir o contato real e o vínculo afetivo com o outro.

Quando o reborn ocupa um espaço fixo e se torna o substituto simbólico de um ser real, é fundamental ouvir o que esse silêncio está nos dizendo. A escuta fonoaudiológica deve ser sensível a esses processos simbólicos, não para julgar, mas para compreender o que está sendo representado através dessa fantasia.

Por fim, o bebê reborn não é um problema em si, mas o que ele simboliza pode nos revelar muito sobre o processo de vinculação, a linguagem e as substituições simbólicas. A fonoaudiologia, com sua escuta sensível, tem a possibilidade de iluminar esses processos, ajudando, assim, a construir não apenas a fala, mas também o entendimento profundo do que está sendo dito no silêncio.

FAQ sobre bebê reborn

O bebê reborn pode causar prejuízos ao desenvolvimento da linguagem?
Sim, o uso excessivo do reborn como substituto de um vínculo real pode empobrecer as experiências comunicativas da criança. A troca simbólica com um objeto sem vida limita a construção de uma linguagem rica e dinâmica, essencial para o desenvolvimento infantil.

Crianças que brincam com reborns estão em risco?
Não necessariamente. O brincar com bonecas é uma parte importante do desenvolvimento. O risco surge quando a criança mantém uma relação exclusiva com o reborn e não interage com outras crianças ou adultos de forma significativa.

O uso de reborns por adultos pode indicar sofrimento psíquico?
Sim, o vínculo afetivo intenso com o reborn pode estar ligado a processos de luto não resolvidos, carência emocional ou traumas não elaborados. Nesses casos, o reborn pode servir como um substituto simbólico, representando algo que foi perdido.

Como a fonoaudiologia pode atuar diante dessas situações?
A fonoaudiologia atua escutando atentamente os processos simbólicos que envolvem o uso de objetos como o reborn. Em situações de empobrecimento comunicativo, a intervenção fonoaudiológica busca resgatar a linguagem como um espaço de vínculo real e troca autêntica.

O reborn pode ser usado como recurso terapêutico na clínica fonoaudiológica?
Sim, em contextos específicos e com supervisão adequada. O reborn pode ser uma ferramenta útil em terapia com crianças que apresentam dificuldades de vínculo ou comunicação, desde que não substitua o contato humano real e a relação com o outro.

Rita Paula Cardoso

Fonoaudióloga clínica da infância, especializada no desenvolvimento da linguagem. No blog Fala Expressa aborda temas relacionados ao desenvolvimento da fala, linguagem, inclusão e bilinguismo.

Especialidades: Fonoaudiologia

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