Crianças sobrecarregadas: o impacto das demandas excessivas na infância

Reflexões sobre como o excesso de estímulos pode prejudicar o desenvolvimento das crianças e a importância de preservar sua infância.
Crianças sobrecarregadas: o impacto das demandas excessivas na infância
Foto: Canva

Em uma conversa recente, um colega fez uma pergunta provocadora: “Todas as escolas particulares preparam as crianças para serem líderes. Mas quem prepara aquelas que serão lideradas?” A reflexão ficou martelando na minha cabeça, e não foi difícil perceber o quanto essa questão vai além da simples provocação. Pois ela nos convida a pensar sobre o verdadeiro papel da infância na sociedade contemporânea.

Na minha prática clínica, é cada vez mais comum encontrar crianças cujas rotinas são organizadas como verdadeiros projetos de produtividade. Aulas de inglês desde o berçário, natação, balé, reforço escolar, terapia… tudo cronometrado, com metas a serem alcançadas. Muitas dessas crianças, por mais que recebam cuidados e recursos, acabam se afastando do que é essencial para a sua formação: a infância em si.

Quando a pressa dos adultos atropela o tempo da criança

O desejo dos pais de proporcionar o melhor para os filhos é legítimo, mas o excesso de estímulos pode ser prejudicial. Muitas crianças recebem tanto input (como dizem os especialistas) que não sobra tempo para o essencial: brincar, se entediar, viver o ócio criativo.

Sem esse espaço, portanto, o processo natural de autodescoberta fica comprometido. Às vezes, famílias enfrentam desestruturações, como uma separação, e a criança acaba sendo ainda mais sobrecarregada. A ocupação excessiva muitas vezes é uma maneira de evitar o sofrimento emocional, mas isso também apaga o brincar.

A infância como tempo de experimentação, não de produtividade

Na fonoaudiologia, aprendemos a escutar o que não é dito. Muitas vezes, o que parece ser um problema de fala ou um déficit de atenção é, na verdade, um sinal de exaustão emocional. O que essas crianças precisam não é de mais estímulos ou metas, mas de tempo. Tempo para se regular, para explorar o mundo sem pressões.

A linguagem, o desenvolvimento social e emocional, acontecem na troca, na espontaneidade do brincar. Quando a criança vive para cumprir metas, portanto, o desenvolvimento simbólico fica comprometido.

Quando o futuro apaga o presente

É natural querer que os filhos tenham um futuro brilhante, mas isso não deve custar o presente da criança. Por exemplo, e se o seu filho não quiser ser líder? E se ele for mais sensível ou mais introvertido? E se preferir seguir em vez de comandar?

Por fim, devemos permitir que nossas crianças vivam suas próprias infâncias, dessee modo, aceitando aqueles que não se encaixam no modelo tradicional de sucesso. Afinal, nem todo mundo será um líder, e isso não significa que não terão um papel importante a desempenhar.

FAQ sobre crianças sobrecarregadas

O que a fonoaudiologia observa em crianças com agendas sobrecarregadas?
A fonoaudiologia observa sinais como atrasos na fala, dificuldades de atenção, agitação ou retraimento — muitas vezes relacionados ao excesso de estímulo e à ausência de espaço livre para o brincar e a interação espontânea.

Brincar é mesmo tão importante para o desenvolvimento da linguagem?
Sim. A brincadeira favorece o uso simbólico da linguagem, o desenvolvimento da criatividade e a construção das habilidades sociais. Pois é através do brincar que a criança experimenta e ressignifica o mundo.

Há riscos em antecipar demais o processo educativo?
Sim. Quando se antecipa etapas importantes do desenvolvimento, como o brincar livre e o tempo ocioso, corre-se o risco de gerar estresse, ansiedade e dificuldades emocionais ou cognitivas.

É possível equilibrar atividades e tempo livre na infância?
Sim. Com organização e escuta das reais necessidades da criança, é possível construir uma rotina que inclua estímulos sem abrir mão da infância e da espontaneidade.

A criança que não lidera tem menos chances na vida?
Não. Cada criança tem um perfil. Liderar não é sinônimo de sucesso. Crianças mais sensíveis, colaborativas e empáticas também têm muito a contribuir e podem alcançar realização pessoal e profissional por outros caminhos.

Rita Paula Cardoso

Fonoaudióloga clínica da infância, especializada no desenvolvimento da linguagem. No blog Fala Expressa aborda temas relacionados ao desenvolvimento da fala, linguagem, inclusão e bilinguismo.

Especialidades: Fonoaudiologia

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