Por que saúde bucal e linguagem caminham juntas na infância

Dentes mal posicionados podem prejudicar a fala infantil. Veja como odontologia e fonoaudiologia se unem para cuidar da comunicação.
Por que saúde bucal e linguagem caminham juntas na infância
Foto: Canva

Dentes fora do lugar, perdas precoces ou alterações na mordida fazem mais do que mudar o sorriso da criança. Esses fatores interferem diretamente na forma como ela articula os sons e organiza a própria fala. Por isso, profissionais que atuam com infância lembram cada vez mais: cuidar da saúde bucal significa, ao mesmo tempo, cuidar da linguagem e da comunicação.

Por que saúde bucal faz parte da linguagem

No Brasil, campanhas como o Julho Neon reforçam a importância da prevenção em saúde bucal desde os primeiros anos de vida. No entanto, o debate ainda se concentra muito em cáries, escovação e estética, enquanto a relação entre boca e fala recebe menos destaque. A dentição da criança, porém, participa ativamente da produção da linguagem oral.

Quando a arcada se organiza de forma equilibrada, a língua encontra pontos de apoio estáveis. Assim, a criança cria caminhos mais seguros para articular os sons da língua materna. Quando a mordida abre, os dentes se posicionam de modo irregular ou o palato permanece muito estreito, a língua perde referências. Como consequência, sons saem distorcidos, trocados ou simplesmente não aparecem na fala espontânea.

Como a estrutura oral interfere na articulação dos sons

Alguns fonemas ilustram bem essa relação. Para articular o som de /t/, por exemplo, a criança precisa encostar a ponta da língua atrás dos dentes superiores, pressionar e soltar o ar de forma coordenada. Se a falta de dentes altera esse ponto de apoio, a criança tenta compensar com outros movimentos. Essas compensações geralmente prejudicam a clareza da fala e exigem muito esforço.

Alterações como mordida aberta, cruzada ou profunda também afetam sons como /s/, /z/, /d/, /n/ e /l/. Nessas situações, a língua busca espaço onde não encontra estabilidade. A fala, então, perde nitidez, o que pode levar a correções constantes por parte dos adultos. Aos poucos, algumas crianças passam a evitar certas palavras, reduzem a participação em conversas e preferem o silêncio em momentos de exposição, como leituras em voz alta na escola.

Quando a boca limita a participação da criança

Na rotina escolar, dificuldades de fala que surgem a partir de questões orais muitas vezes aparecem como timidez, desatenção ou desinteresse. A criança não levanta a mão, não se oferece para apresentar trabalhos e responde com poucas palavras, mesmo quando entende o conteúdo. Em muitos casos, ela pensa, organiza mentalmente a resposta, mas sente vergonha do próprio modo de falar.

Esse movimento de retração impacta a autoestima e a experiência de aprendizagem. A linguagem funciona como ponte entre a criança e o mundo. Quando a boca cria obstáculos para que essa ponte se sustente, a participação social diminui. Por esse motivo, profissionais atentos investigam não apenas o que a criança diz, mas também o que impede que ela diga mais.

Hábitos orais, desenvolvimento e prevenção

A dentição infantil passa por várias fases. Entre a queda dos dentes de leite e a chegada dos permanentes, o sistema estomatognático se reorganiza de forma intensa. Nesse período, hábitos como uso prolongado de chupeta, mamadeira constante, sucção digital e respiração oral influenciam a forma da arcada e do palato. Quando esses hábitos se mantêm por muito tempo, aumentam o risco de alterações estruturais e funcionais.

Ao mesmo tempo, a criança aprende a mastigar, engolir e articular sons de maneira mais complexa. Se a boca precisa lidar com estruturas pouco funcionais, todo o esforço sobe de nível. Por isso, pediatras, dentistas e fonoaudiólogos recomendam acompanhamento regular nessa fase. Orientações precoces sobre retirada gradual de chupeta, estímulo à mastigação de alimentos mais consistentes e atenção à respiração nasal reduzem significativamente o impacto futuro na fala.

Quando fonoaudiologia e odontologia se encontram

Fonoaudiólogos e dentistas que atuam com infância observam a mesma região do corpo a partir de perspectivas complementares. Enquanto a odontologia analisa dentes, ossos e oclusão, a fonoaudiologia investiga respiração, mastigação, deglutição e articulação da fala. Quando essas áreas estabelecem diálogo constante, a criança recebe um cuidado muito mais completo.

Em muitos casos, o dentista identifica a necessidade de expansão de palato, correção da mordida ou alinhamento dentário. Paralelamente, o fonoaudiólogo trabalha os movimentos da língua, da mandíbula e dos lábios, reorganiza padrões de deglutição e orienta a família sobre hábitos orais mais saudáveis. Dessa forma, a intervenção não se limita à forma da arcada ou ao treino de sons isolados. O plano terapêutico integra função e estrutura, o que amplia as chances de resultados estáveis.

Quando buscar ajuda para a fala e a boca

Pais e cuidadores podem observar alguns sinais no dia a dia. Distorções persistentes de sons, dificuldade para morder e mastigar alimentos mais firmes, respiração pela boca, salivação excessiva e vergonha ao falar em público indicam necessidade de avaliação. Nessas situações, uma consulta com dentista infantil e outra com fonoaudiólogo especializado em motricidade orofacial ajudam a mapear com clareza o quadro.

Quanto mais cedo essa investigação começa, mais tempo a criança ganha para reorganizar funções e aproveitar as janelas de desenvolvimento da linguagem. A intervenção precoce não significa pressa desmedida, e sim olhar atento para sinais que pedem cuidado. Assim, a escola, a família e os profissionais conseguem atuar em conjunto, sempre em favor da comunicação da criança.

Conclusão: boca saudável, fala mais livre

Saúde bucal e linguagem infantil caminham lado a lado. Alterações na dentição não representam apenas questão estética, já que interferem na clareza da fala e na forma como a criança ocupa os espaços de conversa, estudo e convivência. Quando odontologia e fonoaudiologia se aproximam, o cuidado ganha profundidade e considera tanto o sorriso quanto a palavra.

Uma boca alinhada, funcional e bem cuidada oferece terreno mais estável para que a criança se arrisque na fala, faça perguntas, conte histórias e se apresente ao mundo. Em outras palavras, o cuidado com dentes e estruturas orais não protege só o esmalte dental. Ele protege também a possibilidade de dizer — e de ser escutado.

Faq sobre saúde bucal e linguagem

Alterações nos dentes sempre prejudicam a fala?Nem toda alteração dentária provoca distorções na fala. No entanto, má oclusão, perda precoce de dentes e palato muito estreito aumentam o risco de dificuldades articulatórias. Por isso, a avaliação conjunta de dentista e fonoaudiólogo ajuda a entender o impacto real em cada caso.

Quais sinais indicam que a boca interfere na fala da criança?Alguns sinais chamam atenção, como trocas ou distorções persistentes de sons, esforço visível para articular palavras, dificuldade para mastigar alimentos mais firmes e respiração pela boca. Vergonha de falar em público ou recusa em ler em voz alta também pode indicar desconforto com a própria fala.

Em que momento a família deve procurar fonoaudiólogo e dentista?A família pode buscar orientação sempre que tiver dúvida sobre a fala, a mastigação ou a respiração da criança. Avaliações preventivas durante a troca de dentição ajudam a identificar questões estruturais e funcionais cedo, o que facilita intervenções mais simples e eficazes.

Tratamentos ortodônticos resolvem sozinhos os problemas de fala?Tratamentos ortodônticos alinham dentes e corrigem a mordida, mas não reorganizam automaticamente os movimentos de língua, lábios e mandíbula. Em muitos casos, a criança precisa de acompanhamento fonoaudiológico para ajustar padrões de fala, mastigação e deglutição e consolidar os resultados.

Como a escola pode contribuir com o cuidado da saúde bucal e da linguagem?A escola pode observar mudanças na fala, na participação oral e no comportamento da criança em sala. Quando educadores compartilham essas observações com a família, ajudam a antecipar intervenções. Além disso, projetos de educação em saúde, leituras em voz alta e espaços de fala segura fortalecem tanto a comunicação quanto a consciência sobre cuidados bucais.

Rita Paula Cardoso

Fonoaudióloga clínica da infância, especializada no desenvolvimento da linguagem. No blog Fala Expressa aborda temas relacionados ao desenvolvimento da fala, linguagem, inclusão e bilinguismo.

Especialidades: Fonoaudiologia

VER PERFIL

Aviso de conteúdo

É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita. O site não se responsabiliza pelas opiniões dos autores deste coletivo.

Deixe um comentário

Veja Também